De acordo com Lemos (2007, apud LOURENÇO,
2000; SMITH, 2002), se, por um lado, os psicométricos concebem a inteligência
mais em termos quantitativos e de conteúdo, avaliando-a nos testes
psicométricos e traduzindo-a em três tipos de medidas: (i) QI; (ii) factor g;
(iii) e aptidões, por outro lado, os
desenvolvimentistas consideram a inteligência mais em termos qualitativos e de estrutura, pelo que recorrem, por exemplo, a provas de
desenvolvimento, que indicam o nível de maturidade intelectual do sujeito. Mais
do que avaliar, compreender. Mais do que quantificar, interpretar. Mais do que
diferenciar os indivíduos entre si, analisá-los individualmente. Estas são as linhas
com que se tece a abordagem desenvolvimentista, donde sobressai a Teoria Genética-Epistemológica
de Piaget, ainda hoje considerada a grande teoria do desenvolvimento cognitivo.
Entretanto, além de Piaget (1896-1980), não
se pode deixar de considerar outros dois pensadores muito importantes entre os
desenvolvimentistas, porquanto, serão abordados aqui: Wallon (1879-1962, com a Teoria
da Psicogênese da Pessoa Completa, e Vygotsky (1896-1934) com a Teoria Histórico-cultural.
Se
houvesse que definir a especificidade da teoria de Vygotsky por uma série de
palavras e de fórmulas chave, seria necessário mencionar, pelo menos, as seguintes:
sociabilidade do homem, interação social, signo e instrumento, cultura,
história, funções mentais superiores. E se houvesse que reunir essas palavras e
essas fórmulas em uma única expressão, poder-se-ia dizer que a teoria de Vygotsky
é uma “teoria sócio-histórico-cultural do desenvolvimento das funções mentais
superiores”, ainda que ela seja chamada mais frequentemente de “teoria
histórico-cultural”. Para Vygotsky, o ser humano se caracteriza por uma
sociabilidade primária. A mesma ideia foi expressa por Henri Wallon, de um modo
mais categórico: ele [o indivíduo] é geneticamente social. (IVIC, 2010, p. 15
apud WALLON, 1959).
Muito
embora, Wallon continue desconhecido para muitos pesquisadores nos dias atuais,
aparecendo esporadicamente em suas bibliografias científicas, na opinião de grandes
especialistas que lhe renderam grandes homenagens, entre eles, psiquiatras,
psicólogos e pedagogos, e mesmo sociólogos e linguistas, ele se destacou pelo
empenho na busca para conhecer melhor a criança, suas condições de
desenvolvimento físico e psicológico, e por se preocupar com as exigências de
sua educação.
Reconhecida
no Brasil como uma das teorias psicogenéticas, uma vez que procura compreender
a gênese e a evolução do funcionamento psicológico humano ao lado das de Piaget
e Vigotsky, nos últimos 30 anos, observa-se um crescente interesse no campo
educacional pelas contribuições desse filósofo, médico e psicólogo francês que,
entre outras coisas, em seu país, foi responsável pela elaboração de um
meticuloso projeto político educacional [ ] a
leitura de Wallon permite perceber que ele marca sua posição apontando os
limites de outras abordagens que enfocam o complexo processo de desenvolvimento
humano desde um aspecto ou dimensão, deixando de enfatizar ou reconhecer a
devida importância de outros, para ele igualmente relevantes. Critica, por
exemplo, a restrição das abordagens psicométricas que, por meio de testes,
buscam mensurar, quantificar e avaliar a inteligência infantil [ ]. Para ele, a complexidade da formação e
desenvolvimento da inteligência não pode ser apreendida pelos instrumentos, que
têm alcance reduzido[...](HÉLÈNE, 2010, p. 32 apud LA TAYLLE, et al.,
1992).
Teoria da
Psicogênese da Pessoa Completa de Henri Wallon
Nascido em Paris, Wallon (1879-1962),
médico e psicólogo, realizou grande parte de sua obra, a partir de mais de
duzentas observações relacionadas a crianças doentes; casos de retardo;
epilepsia; e anomalias motoras em geral, e, após aprofundamento dos estudos com
experiências, em sua clínica, com adultos traumatizados, concluiu e publicou a
tese L'enfant turbulent..
É em
todas as suas etapas e em todas as suas manifestações que é preciso estudar as
crianças porque seu conhecimento exige a colaboração de todos aqueles que
tenham contato com elas ou da necessidade de definir as condições e exigências
da observação: é a observação que permite apontar problemas, mas são os
problemas colocados que tornam a observação possível (HÉLÈNE, 2010 apud WALLON,
H, 1973. p. 198-199).
O Estudo, de cunho Psicogenético, descreve
as etapas do desenvolvimento psicomotor. Ou seja: os estágios impulsivo, emocional, sensório-motor, projetivo e síndromes
psicomotoras, tendo como ponto de partida o patológico.
Wallon concebe que o ser humano é organicamente
social, isto é, sua estrutura orgânica supõe a intervenção da cultura para se
atualizar. E sua teoria psicogenética do
desenvolvimento da personalidade integra a afetividade e a inteligência, e
destaca que isto ocorre de forma dinâmica entre rupturas e sobreposições,
através do mecanismo de alternâncias
funcionais, esclarecendo que as mudanças de fases não se dão por sucessão
linear, como compreende Piaget. Em sua concepção metodológica à
psicologia convém um tratamento genético;
neurofuncional; multidimensional; comparativo, e as funções devem ser
estudadas de forma evolutiva e involutivamente, partindo das suas bases neurológicas.
Para Hélène (2010), ele é
responsável pela elaboração de um modelo heurístico que procura compreender as
diversas dimensões da expressão humana que, por estarem vinculadas e por serem
indissociáveis, promovem o desenvolvimento humano. Destaca-se por demonstrar
que aspectos como a afetividade e atividade motoras, via de regra, desprezadas
na análise desse tema, têm importância decisiva no complexo interjogo funcional
responsável pelo desenvolvimento da criança.
Os extremos entre motor e mental, ao longo do
processo de fortalecimento deste último, por ocasião da aquisição crescente do domínio
dos signos culturais, a motricidade em sua dimensão cinética tende a se
reduzir, a se virtualizar em ato mental. A sensório-motricidade incontinente do
segundo ano de vida tende, lentamente, a diminuir, dando lugar a períodos cada
vez maiores de imobilidade possível; este enfraquecimento da função cinética e proporcional
ao fortalecimento do processo ideativo. Assim o ato mental, que se desenvolve a partir do
ato motor, passa em seguida a inibi-lo, sem deixar de ser atividade corpórea. (LA TAILLE et al,
1992).
Em sua teoria, despreza os experimentos
psicométricos, entendendo que a complexidade da formação e do desenvolvimento
da inteligência não pode ser apreendida pelo alcance reduzido de instrumentos.
A psicologia genética estuda as origens, isto é, a
gênese dos processos psíquicos. Partindo do mais simples, do que vem antes na
cronologia de transformações por que passa o sujeito, a análise genética é,
para Wallon, o único procedimento que não dissolve em elementos estanques e
abstratos a totalidade da vida psíquica. Constitui-se, assim, no método de uma
psicologia geral, concebida como conhecimento do adulto através da criança.
Recusando-se a selecionar um único aspecto do ser humano e isolá-lo do
conjunto, Wallon propõe o estudo
integrado do desenvolvimento, ou seja, que este abarque os vários campos
funcionais nos quais se distribui a atividade infantil - afetividade,
motricidade, inteligência. Vendo o desenvolvimento do homem, ser geneticamente social, como processo em
estreita dependência das condições concretas em que ocorre, propõe o estudo da
criança contextualizada, isto é, nas suas relações com o meio. Pode-se definir
o projeto teórico de Wallon como a elaboração de uma psicogênese da pessoa
completa (GALVÃO, 1995).
Conceitua as abordagens
freudianas e piagetiana como parciais, por priorizarem determinado enfoque do
desenvolvimento em detrimento de outros, como a ênfase nas vivências dos anos
iniciais, em Freud, e a pouca consideração às condições sociais em Piaget.
Ainda com referência ao pensamento piagetiano, recusa a ideia de um avanço
gradual das estruturas mentais, entendendo que o desenvolvimento acontece em
mais de um plano, simultaneamente, de sistema em sistema, por superposição de
planos. Também questiona a visão linear que normalmente é conferida ao
desenvolvimento, como se fosse um sucessivo alargar de possibilidades e
recursos internos. Wallon demonstra que, muito diferentemente disso, o
desenvolvimento humano é marcado por avanços, recuos e contradições e, para
melhor compreendê-lo, é preciso abandonar concepções lineares de análise e
interpretação (HÉLÈNE, 2010).
Para ele o desenvolvimento é
sucedido pela incorporação das fases anteriores, e, de forma dinâmica, é
ampliado por novas condições. Neste sentido, a criança atravessa diferentes
etapas que vão desde momentos de grande interiorização, a momentos mais
direcionados para o exterior, no que se pode classificar nos seguintes estágios do desenvolvimento infantil:
Desenvolvimento Infantil na
Visão de Henri Wallon
|
|
1º. Estágio
Impulsivo: 0
– 3 meses
Emocional: 3
meses a 1 ano
|
O primeiro ano de vida da
criança é predominantemente afetivo e é por meio da afetividade que a criança
estabelece suas primeiras relações sociais e com o ambiente. Os movimentos do
bebê, de início, são caóticos, mas as relações que estabelece, gradualmente
permitem que a criança passe da desordem gestual às emoções diferenciadas.
|
2º.
Estágio
Sensório-motor:
12 -18 meses
Projetivo:
3 anos
|
Esse estágio se estende até
por volta dos 3 anos de idade e
tem predomínio das relações
exteriores e da inteligência. Esta é eminentemente prática e, uma vez que os
campos funcionais são indissociáveis, o pensamento via de regra se projeta em
atos motores. Nesse período, destacam-se os aspectos discursivos que, por
meio da imitação favorece a aquisição da linguagem
|
3º.
Estágio
Personalismo:
3-6 anos
Crise
de Oposição: 3-4 anos
Idade
da graça: 4-5 anos
Imitação:
5-6 anos
|
Refletindo a característica
pendular do desenvolvimento, nesse estágio há predomínio da afetividade.
Estendendo-se até aos seis anos de idade, nesse período, forma-se a
personalidade e autoconsciência do indivíduo, muitas vezes refletindo-se em
oposições da criança em relação ao adulto e, ao mesmo tempo, com imitações
motoras e de posturas sociais.
|
4º. Estágio
Categorial: 6-11 anos
|
Mais uma vez predominando a
inteligência e a exterioridade, no estágio categorial, que se estende até por
volta dos onze anos de idade, a criança passa a pensar conceitualmente,
avançando para o pensamento abstrato e raciocínio simbólico, favorecendo
funções como a memória voluntária, a atenção e o raciocínio associativo.
|
5º. Estágio
Adolescência: a partir dos 11
anos
|
As transformações físicas e
psicológicas da adolescência acentuam o caráter afetivo desse estágio.
Conflitos internos e externos fazem o indivíduo voltar-se a si mesmo, para
auto afirmar-se e poder lidar com as transformações de sua sexualidade.
|
Tabela
– Estágios do Desenvolvimento Infantil de Wallon
Fonte: Adaptado de Hélène (2010)
Para Wallon (1990,
p.147)[1], nenhuma dessas etapas
jamais é completamente superada e, em certas afeições, assiste-se à
ressurgência de estágios mais antigos. De etapas em etapas, o desenvolvimento
psíquico da criança mostra, através das diversidades e das oposições das crises
que o pontuam, uma espécie de unidade solidária, tanto no interior de cada fase
como entre todas elas. É contra a natureza tratar a criança fragmentariamente.
Em cada idade ela constitui um conjunto indissociável e original. Na sucessão
de suas idades, ela é um único e mesmo ser em metamorfose. Por ser feita de
contraste e de conflitos, sua unidade será ainda mais suscetível de ampliamento
e de enriquecimento.
E mais, pensado
dialeticamente, alterna momentos de maior introspecção
e de maior extroversão. Ou seja,
dependendo das condições do estágio,
os processos estarão voltados para o interior
ou para o exterior. As etapas centrípetas ou interiores, presentes nos
estágios do emocional, do personalismo e da adolescência são preponderantemente afetivas e voltadas para a assimilação, a elaboração íntima, a
edificação do sujeito e de sua
relação com o outro.
Por outro lado, as etapas externas ou centrífugas, caracterizadas
nos estágios do impulsivo, do sensório-motor e do categorial são predominantemente intelectuais e voltadas para a
diferenciação; o gesto; a reação ao meio; e ao estabelecimento de relações com o objeto externo.
Wallon vê o desenvolvimento da pessoa como uma
construção progressiva em que se sucedem fases com predominância alternadamente
afetiva e cognitiva. Cada fase tem um colorido próprio, uma unidade solidária,
que é dada pelo predomínio de um tipo de atividade. As atividades predominantes
correspondem aos recursos que a criança dispõe, no momento, para interagir com
o ambiente. Para uma compreensão mais concreta desta ideia, passemos a uma
descrição das características centrais de cada um dos cinco estágios propostos
pela psicogenética walloniana (GALVÃO, 1995).
Importante dizer que para
Wallon o desenvolvimento não se encerra no estágio
da adolescência, mas permanece em processo dinâmico ao longo de toda a vida
do indivíduo. Afetividade e Cognição estarão, dialeticamente, sempre
em movimento, alternando-se nas diferentes aprendizagens
que o indivíduo incorporará ao longo de sua vida.
Neste sentido, faz
críticas contumazes à Psicologia da Introspecção
que, baseada numa concepção Idealista,
vê o psiquismo como entidade incondicionada, completamente independente do
mundo material, e ainda estabelece que a introspecção, ou seja, a reflexão
sobre suas sensações e imagens mentais, é o único instrumento que o sujeito tem
de acesso á vida psíquica. Aspecto que reduz o psiquismo exclusivamente à vida
interior. E mais ainda, introspecção coloca a consciência como único meio de explicação entre a psicologia e a realidade psíquica.
Para Galvão (1995,
apud WALLON, 1975) o estudo da realidade movediça e contraditória que é o homem
e seu psiquismo, beneficia-se, enormemente, do recurso ao materialismo dialético, perspectiva filosófica especialmente capaz
de captar a realidade em suas permanentes mudanças e transformações. Decalcado do real, aceita toda a sua
diversidade, todas as contradições, convencido de que elas devem se resolver e
que até são elementos de explicação, pois que o real é o que é, não obstante ou
mais precisamente por causa delas.
Pensando assim, Wallon
adota o materialismo dialético como método de análise e fundamento
epistemológico de sua teoria psicológica, o que se traduz em uma psicologia
dialética.
Porquanto, e ainda
sobre os estágios de desenvolvimento de Wallon, Galvão (1995) comenta que os fatores orgânicos são os responsáveis
pela sequência fixa que se verifica entre os estágios do desenvolvimento, mas
não garantem uma homogeneidade no seu tempo de duração. Podem ter seus efeitos
amplamente transformados pelas circunstâncias dos fatores sociais nas quais se insere cada existência individual e
mesmo por deliberações voluntárias do sujeito. Por isso a duração de cada
estágio e as idades a que correspondem são referências relativas e variáveis,
em dependência de características individuais e das condições de existência.
E ainda reforça que
mais determinante no início, o fator biológico ou orgânico vai,
progressivamente, cedendo espaço ao social. Presente desde a aquisição de
habilidades motoras básicas, como a preensão e a marcha, a influência do meio
social torna-se muito mais decisiva na aquisição de condutas psicológicas
superiores, como a inteligência simbólica.
É a cultura e a linguagem que fornecem ao pensamento
os instrumentos para sua evolução. O
simples amadurecimento do sistema nervoso não garante o desenvolvimento de
habilidades intelectuais mais complexas. Para que se desenvolvam, precisam
interagir com "alimento cultural", isto é, linguagem e conhecimento.
Assim, não é possível definir um limite terminal para o desenvolvimento da
inteligência, nem tampouco da pessoa, pois dependem das condições oferecidas
pelo meio e do grau de apropriação que o sujeito fizer delas. As funções psíquicas podem prosseguir num
permanente processo de especialização e sofisticação, mesmo que do ponto de
vista estritamente orgânico já tenham atingido a maturação (GALVÃO, 1995).
Com relação à Pedagogia, Wallon se
entusiasmou pelo contexto da Escola, o qual considerava como o mais apropriado
para a investigação psicogenética. Para ele, a Pedagogia anima as atividades da
Psicologia Genética, sobretudo como campo de observação, aplicação e controle.
Por outro lado, a Psicogênese é importante
instrumento para o aprimoramento da Educação, na medida em que possibilita a
adequação dos objetivos e métodos educacionais às possibilidades e necessidades
infantis. A investigação não é desta forma, privilégio da Psicologia; na
prática experimental, Psicologia e Pedagogia serve de instrumento uma a outra.
Dependendo do objetivo que se tem em vista, a Psicologia pode ser instrumento
para a pesquisa pedagógica, assim como a Educação pode ser campo e pretexto
para a investigação psicológica (GALVÃO, 1995)
Atender a um só tempo à formação do
indivíduo e à construção da sociedade é à base da psicologia walloniana, ou
seja, a interação da ação do ser vivo com o meio social, considerando que o
meio social supera o meio físico e biológico, o que define a Teoria de Wallon
como geneticamente social.
Do ponto de vista social, a criança se liberta das
constelações puramente afetivas, é com vistas a tarefas determinadas que se agrupe
com colegas, escolhendo, por exemplo, uns colegas para tal jogo, outros para o
trabalho. Entre companheiros, as conversas se reduzem a discussões sobre as
aventuras comuns. Daí resulta uma diversidade e uma reversibilidade de relações
de cada um com cada um, da qual cada um tira a noção de sua própria diversidade
conforme as circunstâncias, mas também de sua unidade fundamental através da
diversidade das situações. A época da puberdade parece pôr em xeque essa
objetividade conquistada. Sem estendermo-nos longamente sobre essa crise
essencial, podemos dizer que, no plano afetivo, o Eu volta a adquirir uma
importância considerável; e, no plano intelectual, a criança supera o mundo das
coisas, para atingir o mundo das leis (WALLON, 1990 p.142)[2].
A dinâmica das trocas
e confrontos da criança com seu meio social é que vai tirar-lhe da indiferença
e lançar-lhe ao desenvolvimento, e, consequentemente, torná-la mais
instrumentalizada e autônoma para a sobrevivência.
A Educação deve atender às necessidades imediatas
de cada etapa do desenvolvimento infantil, assegurando a plena realização das
disposições e aptidões atuais, ao mesmo tempo em que prepara a etapa seguinte,
nutrindo na criança o desenvolvimento das atitudes e funções que estão por vir
e que, de alguma forma, já se manifestam em sua atividade presente (GALVÃO,
1995).
Entende Wallon que a criança deve ser
tratada como um todo, e não apenas aos aspectos da inteligência, integrando a
expressividade; a emoção; a gestualidade; o movimento; a representação mental e
o pensamento discursivo, assim, o professor terá um melhor entendimento e atendera
a criança em suas diversas necessidades, impulsionando o seu desenvolvimento e
favorecendo a sua aprendizagem.
Quanto ao professor, não se deve colocar
como exclusivo detentor do saber e único responsável pela sua transmissão, mas
tampouco abdicar deste papel, submetendo-se indiscriminadamente à
espontaneidade infantil. Respeitar a criança não significa poupá-la das
intervenções externas, como se seu desenvolvimento se desse por fontes
exclusivamente endógenas. Ao contrário, a intervenção do professor é um fator
fundamental para o processo de desenvolvimento e aprendizagem, que depende da
incorporação do patrimônio cultural adulto, isto é, de conteúdo (GALVÃO, 1995).
São grandes as
contribuições de Wallon para a educação, quer pelo lado de suas ideias propriamente
ditas pedagógicas, ou mesmo quando subtraindo da leitura da teoria as implicações
de sua psicologia genética.
Todavia, para
Galvão (1995), se sua psicologia genética for utilizada como instrumento a
serviço da reflexão pedagógica, oferece recursos para a construção de uma
prática mais adequada às necessidades e possibilidades de cada etapa do desenvolvimento
infantil. A abrangência de seu objeto de estudo sugere que a educação deve ter
por meta não somente o desenvolvimento intelectual, mas a pessoa como um todo. Destacando
o papel do meio social no desenvolvimento infantil, concebe a escola como meio
promotor de desenvolvimento.
Wallon faz um percurso via filosofia e medicina
para culminar na psicologia, onde efetuará seu projeto: a produção de uma
psicologia que visa “o estudo concreto de uma realidade concreta”, ou seja, de
uma realidade situada na história e no contexto social imediato. Em nosso
entender, toda sua produção terá em comum este vetor: a construção de uma
psicologia. Quando Wallon escreve sobre a emoção e seu lugar no desenvolvimento
infantil ele visa à produção desta psicologia geral. Igualmente, quando adentra
em temas como a consciência, os estágios do desenvolvimento, o papel do
movimento, a imitação e a representação, busca a produção desta sua
tentativa de explicação geral do homem (SILVA, 2007, p.48-49, apud WALLON, 1938, grifo
nosso).
Teoria Histórico-Cultural de Vygotsky
Nasce em 17 de novembro de
1896, na Bielorrússia, Lev Semionovich Vygotsky. Estudou direito, filosofia e
história em Moscou, tendo falecido em 1934. A primeira obra de Vygotsky, que o
conduziu definitivamente para a psicologia, foi a Psicologia da Arte.
Nascido no mesmo ano em que Piaget nasceu, e é interessante registrar que, sem formação
psicológica, tornou-se também autor de uma teoria
do desenvolvimento mental. Enquanto Piaget trabalhou com as ciências
biológicas.
Esta distinção de inspiração talvez
explique a diferença de dois paradigmas importantes na psicologia do desenvolvimento: o de Piaget, que acentua os aspectos estruturais e as leis
essencialmente universais de origem biológica do desenvolvimento, enquanto o de Vygotsky insiste nos aportes da cultura, na
interação social, e na dimensão histórica do desenvolvimento mental. (IVIC,
2010).
Em 1924, Vigotsky se instala
em Moscou, e, cercado por um grupo de colaboradores, cria e desenvolve a teoria histórico-cultural dos fenômenos
psicológicos. Morreu com 38 anos de idade, dentre os quais dedicou uma
dezena de anos a seu trabalho científico, e não pôde ver a publicação de suas
obras mais importantes. E a despeito do pouco tempo, desenvolveu uma das
teorias mais promissoras, sendo reconhecido, após mais de meio século da sua
morte, um autor de vanguarda.
Segundo Ivic (2010), no
sistema psicológico vygotskyano, encontra-se uma teoria do desenvolvimento
mental ontogenético, ou teoria histórica do desenvolvimento individual.
Trata-se, portanto, de uma concepção genética de um fenômeno genético, em que é
possível tirar, sem dúvida, um ensinamento epistemológico. De fato, as épocas
históricas de mudanças revolucionárias parecem refinar a sensibilidade do
pensamento humano e a predispô-lo a tudo que diz respeito à gênese, à
transformação, à dinâmica, ao devir e à evolução.
A teoria de Vygotsky é
envolvida por aspectos relacionados à sociabilidade do homem, ou seja: a
interação social; o signo e instrumento; a cultura; a história e as funções
mentais superiores.
Se houvesse que reunir a sociabilidade do homem, a interação
social, o signo e instrumento, a cultura, a história e as funções mentais
superiores em
uma única expressão, poder-se-ia dizer que sua teoria é uma teoria sócio-histórico-cultural do
desenvolvimento das funções mentais superiores, ainda que ela seja chamada
mais frequentemente de teoria histórico-cultural. (IVIC2010).
Em sua teoria, Vygotsky
pontua que o ser humano se caracteriza por uma sociabilidade primária. Com o
mesmo entendimento, Henri Wallon foi mais categórico ainda e conceituou assim: o indivíduo é geneticamente social.
Para ambos, tudo que se
relaciona ao comportamento da criança está vinculado ao social. O
desenvolvimento da criança, mais precisamente na primeira infância, os fatores são
as interações com os adultos, portadores de todas as mensagens da cultura.
O ponto essencial da concepção vygotskyana
é a interação social, que desempenha um papel construtivo no desenvolvimento. Isto significa, simplesmente, que certas categorias
de funções mentais superiores, atenção voluntária, memória lógica, pensamento
verbal e conceptual, emoções complexas, etc. não poderiam emergir e se
constituir no processo de desenvolvimento sem o aporte construtivo das
interações sociais (IVIC, 2010).
Este fundamento da teoria de
Vigotsky transforma fenômenos interpsíquicos em fenômenos intrapsíquicos. Em
outras palavras, O desenvolvimento das funções mentais é influenciado pelos
instrumentos do comportamento social.
A mais importante e a mais
fundamental das leis que explicam a gênese, e para a qual nos conduz o estudo
das funções mentais superiores, poderia ser expressa assim: cada exemplo de
conduta semiótica[3]
da criança era, anteriormente, uma forma de colaboração social e é por isso que
o comportamento semiótico, mesmo nos estágios mais avançados do
desenvolvimento, permanece como um modo de funcionamento social. A história do
desenvolvimento das funções mentais aparece, pois, como a história do processo
de transformação dos instrumentos do comportamento social em instrumentos de
organização psicológica individual (IVIC, 2010 apud Vygotsky, 1982-1984, v. VI,
p. 56).
Os estudos de Vygotsky
trabalham as relações entre o pensamento e a linguagem no processo da
ontogênese.[4]
Atualmente, existe o entendimento de que a capacidade de aquisição da linguagem
pela criança é fortemente determinada pela hereditariedade. Neste caso, para
Vygotsky, a hereditariedade não é uma condição suficiente, mas necessária,
sendo na aprendizagem apenas um processo de construção compartilhada na
interação entre a criança e o adulto. A linguagem, na qualidade de instrumento
das relações sociais, se transforma em instrumento de organização psíquica
interior da criança.
Neste ponto, encontra-se uma
solução original para o problema da relação entre o desenvolvimento e a
aprendizagem, ou seja:
Mesmo quando se trata de uma função
que é fortemente determinada pela hereditariedade, como é o caso da linguagem,
a contribuição do contexto social da aprendizagem é, da mesma forma,
construtivo e não se reduz, nem somente ao papel de ativador, como no caso do
instinto, nem somente ao papel de estimulação do desenvolvimento, que não faz
senão acelerar ou tornar mais lentas as formas de comportamento que aparecem sem
esse aporte. A contribuição da aprendizagem deve-se ao fato de que ela coloca à
disposição do indivíduo um instrumento poderoso: a língua (IVIC, 2010).
Para Vigotsky, este
instrumento se torna parte integrante das estruturas psíquicas do indivíduo, e,
no processo de aprendizagem, a linguagem interage com outras funções mentais,
no caso o pensamento, nascendo desse encontro, o pensamento verbal. Esta é,
portanto, uma tese ainda passível de assimilação na psicologia contemporânea,
ou seja:
O essencial no desenvolvimento não
está no progresso de cada função tomada isoladamente, mas na mudança de
relações entre diferentes funções, tais como a memória lógica, o pensamento verbal,
etc.; dito de outra maneira, o
desenvolvimento consiste em formar funções compostas, sistemas de funções,
funções sistêmicas, sistemas funcionais (IVIC, 2010).
No caso da aquisição da
linguagem, em Vigotsky, define-se o primeiro modelo de desenvolvimento, assim
tem-se que: em um processo natural de
desenvolvimento, a aprendizagem aparece como um meio de reforçar esse processo
natural, pondo à sua disposição os instrumentos criados pela cultura que
ampliam as possibilidades naturais do indivíduo e reestruturam suas funções
mentais.
O papel dos adultos, como
representantes da cultura no processo de aquisição da linguagem pela criança e
de apropriação por ela de uma parte da cultura - a língua -, conduz à descrição
de um novo tipo de interação que é de importância capital na teoria de Vygotsky.
De fato, além da interação social nesta teoria, há também uma interação com os
produtos da cultura. É desnecessário dizer que não se pode separar ou
distinguir claramente estes dois tipos de interação, que se manifestam, muitas
vezes, sob a forma de interação sociocultural (IVIC, 1995, p. 19).
Sobre o papel da cultura no
desenvolvimento individual, duas ideias parecidas são desenvolvidas por
Vigotsky: (i) do ponto de vista psicológico, o indivíduo tem seus
prolongamentos, de uma parte, nos outros, e de outra, nas suas obras e na sua
cultura, assim, o desenvolvimento humano não se reduz somente às mudanças no
interior do indivíduo, mas se traduz, também, como um desenvolvimento que
poderia adotar (ii) duas formas diferentes: (a) produção de auxiliares externos
enquanto tais e (b) criação de instrumentos exteriores que podem ser utilizados
para a produção de mudanças internas ou psicológicas.
Assim, tirando os instrumentos
desenvolvidos pelo homem, e que servem para dominar os objetos, há ainda
aqueles instrumentos que podem ser utilizados para controlar, coordenar e
desenvolver suas próprias capacidades.
Por
outro lado, a contribuição da educação organizada e sistemática torna-se tão
importante quanto à aquisição da linguagem oral, onde a aprendizagem tem papel
construtor, mas não exige a presença de adultos que dominem a língua, a não ser
como parceiros nas atividades comuns. Com a educação, chega-se a um modelo de
desenvolvimento que Vygotsky chamou de desenvolvimento
artificial:
A educação pode ser definida como
sendo o desenvolvimento artificial da criança. [...] A educação não se limita
somente ao fato de influenciar o processo de desenvolvimento, mas ela
reestrutura de maneira fundamental todas as funções do comportamento (IVIC,
2010 apud Vygotsky, 1982-1984, v. I, p. 107).
Neste
caso, a educação torna-se o desenvolvimento, enquanto no primeiro modelo ela é
apenas um meio de reforçar o processo natural de desenvolvimento, que tem como
natureza. os instrumentos culturais e o grau de determinação hereditária das
funções, etc. Caso se leve em consideração a multiplicidade e a variedade de
instrumentos e de técnicas culturais, que se pode ou não adquirir nas
diferentes culturas ou nas diferentes épocas históricas, pode-se elencar as
diferenças interculturais, ou históricas, no desenvolvimento cognitivo tanto
dos grupos, como dos indivíduos. Neste ponto, Vigotsky tece severas críticas
aos testes de medição da inteligência.
À luz
dessa concepção do desenvolvimento da inteligência humana, parece paradoxal
falar de testes de inteligência sem cultura, que se tornam, nas palavras
de Bruner, testes sem inteligência, ou pensar que o único conceito
científico possível da inteligência é aquele que a reduz a indicadores, como os
tempos de reação, o potencial elétrico suscitado, etc. (IVIC, 2010, p.24, grifo
nosso).
O modelo de desenvolvimento artificial, cujo exemplo
característico é o processo de aquisição dos sistemas de conceitos, levou
Vygotsky à descoberta da dimensão metacognitiva
do desenvolvimento. A forma de adquirir esses conhecimentos através da
transmissão generalizada de um conceito para outro, facilita a tomada de
consciência e o controle, pelo indivíduo, de seus próprios processos
cognitivos.
A auto regulação voluntária é um
processo que pode ser facilitado pelo tipo de aprendizagem, como exemplo:
aprendizagem verbal, explicação de todos os passos intelectuais, exteriorização
da anatomia do processo de construção de conceitos, construção de conceitos em
comum, monitoramento do processo de aprendizagem pelo adulto expert,
etc. (IVIC, 2010)
Assim, a essência dos
processos metacognitivos está em o indivíduo conhecer e controlar melhor seus
próprios processos de conhecimento. Desta forma, a obra de Vygotsky constitui a
fonte histórica e teórica mais importante para a conceituação e o estudo
empírico dos processos metacognitivos.
Vygotsky não considerou estes
processos como puras técnicas práticas de autocontrole ou como um problema
isolado, mas fez sua integração a teoria geral do desenvolvimento das funções
mentais superiores, onde esses processos aparecem como uma etapa necessária, em
condições bem definidas. Por isso, eles têm importante papel na reestruturação da
cognição em geral.
Sua função, nesta reestruturação, ilustra
da maneira mais nítida a concepção vygotskyana do desenvolvimento como processo
de transformação das relações entre funções mentais particulares. Nesse
sentido, por exemplo, mesmo o termo “metamemória” é impróprio, pois não se
trata da intervenção das técnicas de memorização nas atividades relativas à
memória, mas da intervenção de processos de pensamento tornados conscientes e
voluntários. Trata-se, simplesmente, de novas relações entre duas funções
distintas (IVIC, 2010).
Nas palavras de Ivic (2010),
a teoria de Vygotsky parecer ser a única que oferece a possibilidade de se
conceituar, cientificamente, os processos metacognitivos, permitindo
estabelecer um vínculo entre o desenvolvimento cognitivo e o desenvolvimento
geral, além de compreender a origem da capacidade do ser humano de controlar os
seus próprios processos interiores, a partir da passagem do controle exterior e
interindividual para o controle intrapsíquico individual.
O quadro abaixo apresenta uma
síntese das explorações possíveis da Teoria de Vygotsky sobre o desenvolvimento
mental na pesquisa e na prática pedagógicas.
Teoria
do Desenvolvimento Mental na Pesquisa e na Pratica Pedagógica de Vigotsky
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01
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A educação não tem nada de
externo ao desenvolvimento: A escola é o lugar mesmo da psicologia, porque é
o lugar das aprendizagens e da gênese das funções psíquicas.
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02
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Graças à teoria de
Vygotsky, direta ou indiretamente, todo um conjunto de problemas novos
relativos à pesquisa empírica e de importância capital para a educação foi
introduzido na psicologia contemporânea. As pesquisas sobre a sociabilidade
precoce da criança, campo da pesquisa em pleno desenvolvimento, contribuíram
para uma melhor compreensão da primeira infância.
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03
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A teoria de Vygotsky é,
histórica e cientificamente, a única fonte significativa de pesquisa sobre os
processos metacognitivos na psicologia contemporânea. O papel desses
processos na educação e no desenvolvimento é de uma importância que não se
pode subestimar.
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04
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Uma matriz de análise e uma
gama de instrumentos de pesquisa e de diagnóstico podem ser facilmente
desenvolvidas a partir das teses de Vygotsky sobre o “desenvolvimento
artificial”, isto é, sobre o desenvolvimento sociocultural das funções
cognitivas. É suficiente, para começar, inventariar os auxiliares externos,
os instrumentos e as técnicas interiores
de que dispõem os indivíduos e os grupos sociais e culturais, para elaborar
os parâmetros pelos quais os indivíduos e os grupos podem ser comparados
entre si. É claro que tais instrumentos, desenvolvidos em um quadro teórico
dessa natureza, eliminarão os perigos das interpretações racistas e
chauvinistas.
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05
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A partir dos dois modelos
(Natural e artificial), toda uma gama de formas de aprendizagem foram
conceitualizadas a partir das ideias de Vygotsky ou de ideias próximas às
dele. Essas formas compreendem, entre outras, a aprendizagem cooperativa, a
aprendizagem guiada, a aprendizagem fundada no conflito sociocognitivo, a
construção de conhecimentos em comum.
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06
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O surgimento recente das
mídias audiovisuais modernas e das tecnologias de informação, suas aplicações
no ensino, seu papel, em curto e longo prazos na vida das crianças levantam
problemas novos e sérios. Que instrumento será mais pertinente e mais útil
para as pesquisas sobre o impacto desses novos instrumentos culturais para o
ser humano do que uma teoria como a de Vygotsky, que coloca, precisamente, no
centro de suas preocupações, o papel dos instrumentos da cultura no
desenvolvimento psicológico, histórico e ontogenético?
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Quadro –
Aspectos da Teoria de Vigotsky sobre o Desenvolvimento Mental
Fonte: Dados de IVIC (2010, p. 26-30) e quadro
elaborado pelo autor.
Na teoria de Vigotsky, a
educação está ligada ao desenvolvimento que ocorre no meio sociocultural real,
assim, o problema da relação entre desenvolvimento
e aprendizagem é primordialmente teórico. Seu modelo de desenvolvimento artificial se torna
possível justamente graças ao ensino escolar, com a aquisição dos sistemas de
conceitos científicos como núcleo desse tipo de educação.
A educação não se resume à aquisição
de um conjunto de informações; ela é uma das fontes de desenvolvimento e ela
própria se define como o desenvolvimento artificial da criança. O papel
essencial da educação é, pois, de assegurar seu desenvolvimento, proporcionando-lhe
os instrumentos, as técnicas interiores, as operações intelectuais (IVIC, 2010).
Uma das maiores contribuições
para a Educação de Vigotsky é a forma original como entendeu a relação entre o
desenvolvimento e a aprendizagem, e a criação do conceito de Zona de
Desenvolvimento Proximal. Sua teoria surgia na direção oposta das concepções
vigentes em seu tempo. Os ambientalistas,
que por não conseguirem estudar objetivamente a consciência, atribuíam um peso
excessivo as determinações do meio no desenvolvimento do indivíduo; e os inatistas, que consideravam a influência
do meio como papel secundário.
Para se entender a Zona de
Desenvolvimento Proximal - ZDP, o desenvolvimento humano deve ser colocado em
dois níveis: (i) o primeiro é o do desenvolvimento
real, que é o conjunto de atividades que a criança consegue resolver
sozinha, são os ciclos já completados,
refere-se às funções psicológicas que a criança já construiu até
determinado momento da vida; (ii) o segundo é do desenvolvimento potencial, que é o conjunto de atividades que a
criança não consegue realizar sozinha, mas com a ajuda de alguém que lhe dê orientações
adequadas, um adulto ou outra criança mais experiente, ela consegue resolver.
O nível
desenvolvimento potencial é muito mais indicativo do desenvolvimento da criança
que o nível de desenvolvimento real, pois este último refere-se a ciclos de
desenvolvimento já completos, é fato passado, enquanto o nível de
desenvolvimento potencial indica o desenvolvimento prospectivamente, refere-se
ao futuro da criança. A distância entre o nível de desenvolvimento real e o
nível de desenvolvimento potencial, caracteriza o que Vygotsky denominou de
Zona de Desenvolvimento Proximal: a Zona de Desenvolvimento Proximal define
aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação,
funções que amadurecerão, mas que estão em processo de maturação, mas que
estão, presentemente, em estado embrionário (ZANELLA, 1994).
A constatação de um segundo
nível de desenvolvimento e, consequentemente, a postulação de uma Zona de
Desenvolvimento Proximal, foi decorrente da percepção de diferenças ao nível de
resolução de problemas entre crianças que, aparentemente, apresentavam os mesmo
níveis de desenvolvimento real. Aplicando testes de inteligência nessas
crianças, Vigotsky constatou uma equiparação ao nível do quociente intelectual,
ou seja, ambas conseguiam resolver sozinhas os mesmos problemas. Entretanto, ao
interagir com essas crianças, ao propor-lhes exercícios mais complexos, além
das suas capacidades de resolução independente, este autor constatou que uma
das crianças conseguia, com ajuda, resolver problemas que indicavam uma idade
mental superior à da outra que, sob as mesmas orientações, não conseguia
solucionar os problemas que a primeira resolvia (ZANELLA, 1994).
Habilidades que o individuo dominou
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Habilidades que o individuo está começando a
aprender e pode desempenhar com ajuda
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ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL
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Habilidade que estão fora das aptidões atuais do
individuo
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Figura: Zona de desenvolvimento Proximal
Fonte:
Adaptada da Figura 13.4 de Sternberg (2000)
Aplicada à pedagogia, essa
noção permite sair do eterno dilema da educação: é necessário esperar que a criança atinja um nível de desenvolvimento
particular para começar a educação escolar, ou é necessário submetê-la a uma determinada educação para que ela atinja
tal nível de desenvolvimento?
Ivic
(2010) diz que, para Vygotsky,
este último é mais produtivo se a criança é exposta a aprendizagens novas,
justamente na Zona de Desenvolvimento Proximal. Nessa zona, e em colaboração com
o adulto, a criança poderá facilmente adquirir o que não seria capaz de fazer
se fosse deixada a si mesma. As modalidades de assistência adulta na zona
proximal são múltiplas: demonstrações de
métodos que devem ser imitados; exemplos dados à criança, questões que façam
apelo à reflexão intelectual; controle de conhecimentos por parte do adulto;
mas, também, e em primeiro lugar, colaboração nas atividades partilhadas como
fator construtivo do desenvolvimento.
A colocação do conceito de Zona de
Desenvolvimento Proximal em sua teoria abriu a possibilidade de se estudar e se
intervir na gênese das funções psicológicas superiores. Isto, porque a ZDP é a
região dinâmica que permite a transição do funcionamento interpsicológico para
o funcionamento intrapsicológico, como dito por Vigotsky: todas as funções
psicológicas superiores resultam da reconstrução interna de uma atividade
social partilhada.
Zanella (1994, apud Valsiner, 1991),
durante os últimos quinze meses de vida, Vigotsky utilizou o conceito de ZDP em
diferentes contextos, mas sempre de forma descritiva, sem referir-se a causas e
efeitos. Nesses usos diferenciados é possível, constatar três direções:
ZDP
EM CONTEXTOS DIFERENTES
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1º. Contexto
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O
conceito de ZDP enquanto escore que marcava a distância entre a atuação
independente do indivíduo e a atuação assistida, com a ajuda de alguém mais
experiente.
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2º. Contexto
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A
explicação de ZDP enquanto assentada nas diferenças gerais que aparecem no
desenvolvimento da criança quando esta se encontra em contextos assistidos
socialmente e contextos individuais, direção esta que, na verdade, é uma
generalização da primeira, diferenciando-se dessa por não se tratar de
escore.
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3º. Contexto
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A
criação da ZDP através do jogo. Aqui o jogar assume o mesmo status que o processo
ensino-aprendizagem na interdependência com o desenvolvimento humano, uma vez
que a criança vivencia papéis sociais que se encontram muito além de suas
possibilidades.
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Quadro –
ZDP aplicada a contextos diferentes
Fonte: Zanella (1994, apud Valsiner, 1991)
Assim, o conceito de ZDP encaminhado nestas
direções, apresenta um fator em comum que é realçado por Vigotsky, ou seja: a imitação. Como instrumento de
desenvolvimento, a imitação possibilita o surgimento da Zona de Desenvolvimento
Proximal. No instante em que a criança imita alguém, ela está agindo de forma
superior às suas condições reais de atuação, fato que remete imediatamente à
noção de ZDP.
De acordo com Zanella (1994), Vigotsky, em
suas conferências na década de 30, sempre ressaltou a importância de se
conceituarem os processos psicológicos futuros na ontogenia humana, visando
maximizá-los. E é nesse contexto que o conceito de Zona de Desenvolvimento
Proximal assume papel de destaque, principalmente por dois aspectos:
1)
Comprova que, a
despeito de diferentes indivíduos apresentarem o mesmo nível de desenvolvimento
real, o desenvolvimento posterior dos mesmos pode se diferenciar
substancialmente;
2)
Aponta a
importância das interações sociais e dos processos da instrução para o
desenvolvimento, visto ser neles, e por intermédio, que o funcionamento
intrapsicológico é maximizado.
Segundo Fino (2001), em Mind in Society, Vygotsky resumiu a três
as concepções sobre a relação entre aprendizagem e desenvolvimento, disponíveis
na sua época: (i) que assumia a independência entre ambos os processos, (ii)
que defendia que aprendizagem era desenvolvimento, (iii) e que buscava uma
superação das anteriores posições extremadas, sugerindo uma terceira via de
reconciliação e combinação entre elas.
Diante delas, e por não se reconhecer em
nenhuma, foi, para Fino (2001), que Vigotsky se lançou aos estudos que o
levaram à concepção da ZDP, onde o aprendiz, o instrutor e o conteúdo interagem
com o problema para o qual se procura uma solução. Vygotsky afirma, ainda, que
são ineficazes, em termos de desenvolvimento, as aprendizagens orientadas para
níveis de desenvolvimento que já foram atingidos, porque não apontam para um
novo estágio no processo de desenvolvimento. A consideração da ZDP possibilita
a proposta de boas aprendizagens, que são as que conduzem a um avanço no
desenvolvimento (FINO, 2001 apud Vygotsky, 1978).
Do ponto de vista das funções biológicas e
fisiológicas, as concepções de Vygotsky sobre o funcionamento do cérebro humano
se fundam nas funções psicológicas superiores que são construídas sócio-historicamente
no homem.
Na sua relação com o mundo, mediada pelos
instrumentos e símbolos desenvolvidos culturalmente, o ser humano cria as
formas de ação que o distinguem de outros animais. Sendo assim, a compreensão
do desenvolvimento psicológico não pode ser buscada em propriedades naturais do
sistema nervoso (LA TAILLE et al, 1992).
Vygotsky rejeitou a ideia de funções
mentais fixas e imutáveis, trabalhando com a noção do cérebro como um sistema
aberto, onde sua estrutura e modos de funcionamento são se adaptam durante o desenvolvimento
individual, sobretudo pela multiplicidade de possíveis realizações do homem, em
que o cérebro pode servir a novas funções, sem que seja necessário nenhuma
mudança física no órgão.
Fisiologicamente, as funções mentais não podem ser
localizadas em pontos específicos do cérebro ou em grupos isolados de células.
Elas são organizadas a partir da ação de diversos elementos que atuam de forma
articulada, cada um desempenhando um papel naquilo que se constituiu como um
sistema funcional complexo. Numa determinada como a respiração, o suprimento do
oxigênio aos pulmões e sua posterior absorção pela corrente sanguínea, pode ser
atingido de diversas maneiras. Se o principal grupo de músculos que funciona
durante a respiração pára de atuar, os músculos intercostais são chamados a trabalhar,
mas se por alguma razão eles estiverem prejudicados, os músculos da laringe são
mobilizados e o animal ou pessoa começa a engolir ar, que então chega aos
alvéolos pulmonares por uma rota completamente diferente. A presença de uma
tarefa constante desempenhada por mecanismos variáveis, produzindo um resultado
constante, é uma das características básicas que distingue o funcionamento de
cada sistema funcional. (LURIA, 1981.)
As ideias de Vygotsky sobre a fisiologia do
funcionamento psicológico denotaram a ligação entre os processos psicológicos
humanos e a situação do indivíduo num contexto sócio histórico. Para ele, instrumentos
e símbolos construídos socialmente definem quais funções do cérebro serão
exigidas ao longo do desenvolvimento e utilizadas na realização de tarefas
distintas.
Uma ideia central para a compreensão das
concepções de Vygotsky sobre o desenvolvimento humano como processo sócio
histórico é a ideia de mediação.
Se por um lado a ideia de mediação remete a
processo de representação mental, por outro lado refere-se ao fato de que os sistemas
simbólicos que se interpõem entre sujeito e objeto de conhecimento têm origem
social. Isto é, é a cultura que fornece ao indivíduo os sistemas simbólicos de
representação da realidade e, por meio deles, o universo de significações que
permite construir uma ordenação, uma interpretação, dos dados do mundo real. Ao
longo de seu desenvolvimento o indivíduo internaliza formas culturalmente dadas
de comportamento, num processo em que atividades externas, funções interpessoais,
transformam-se em atividades internas, intrapsicológicas. As funções
psicológicas superiores, baseadas na operação com sistemas simbólicos, são,
pois, construídas de fora para dentro do indivíduo. O processo de
internalização é, assim, fundamental no desenvolvimento do funcionamento
psicológico humano. (OLIVEIRA, 1991.)
A linguagem humana, sistema simbólico
fundamental na mediação entre sujeito e objeto de conhecimento, tem, para
Vygotsky, duas funções básicas: a de intercâmbio
social e a de pensamento
generalizante. Isto é, além de servir ao propósito de comunicação entre
indivíduos, a linguagem simplifica e generaliza a experiência, ordenando as
instâncias do mundo real em categorias conceituais cujo significado é
compartilhado pelos usuários dessa linguagem. Entretanto, o pensamento verbal não é uma forma de
comportamento natural e inata, mas é determinado por um processo
histórico-cultural e tem propriedades e leis específicas que não podem ser
encontradas nas formas naturais de pensamento e fala. (LA TAILLE et al,
1992 apud Vygotsky, 1989, p.44.)
Para o indivíduo é no grupo cultural que ele
vai se desenvolver, e que vai lhe dar o significado real dos conceitos,
nomeadas por palavras da língua desse grupo. Apoiado nessas concepções, e
coerente com sua abordagem genética, Vygotsky direciona seus esforços no
processo de formação dos conceitos, ou seja: como se transforma, ao longo do desenvolvimento,
o sistema de relações e generalizações contido numa palavra.
Como as tarefas de compreender e comunicar-se são essencialmente
as mesmas para o adulto e para a criança, esta desenvolve equivalentes
funcionais de conceitos numa idade extremamente precoce, mas as formas de
pensamento que ela utiliza ao lidar com essas tarefas diferem profundamente das
do adulto, em sua composição, estrutura e modo de operação". (LA TAILLE et
al, 1992 apud Vygotsky, 1989, p.48.)
A respeito do processo de desenvolvimento,
Vygotsky entende que o indivíduo humano, em suas funções biológicas, estabelece
limites e possibilidades para seu funcionamento psicológico, interage,
simultaneamente, com o seu mundo real, e ao mesmo tempo, com o mundo real
organizado pela cultura, onde serão internalizadas no decorrer do seu
desenvolvimento, constituindo-se no material que promoverá a mediação entre o
sujeito e o objeto de conhecimento.
Este conceito distingue-se dos conceitos científicos, conforme estabelecido por Vigotsky, que são
aqueles adquiridos por meio do ensino, como parte de um sistema organizado de
conhecimentos, particularmente relevantes nas sociedades letradas, onde as
crianças são submetidas a processos deliberados de instrução escolar. Suas considerações
a respeito da aquisição dos conceitos científicos também elucidam suas
concepções mais gerais acerca do processo de desenvolvimento. Os conceitos
científicos, embora transmitidos em situações formais de ensino-aprendizagem,
também passam por um processo de desenvolvimento, isto é, não são apreendidos
em sua forma final, definitiva (LA TAILLE et al, 1992).
Essa citação sintetiza a concepção de
Vygotsky, e expõe a ideia de que os conceitos científicos, diferentemente dos
cotidianos, estão organizados em sistemas consistentes de inter-relações.
Na condição de sistema desenvolvido por
atitudes mediadas, os conceitos científicos implicam em uma atitude
metacognitiva de consciência e controle deliberado pelo indivíduo, que domina
seu conteúdo no nível de sua definição e de sua relação com outros conceitos. Do
mesmo modo que a formação dos conceitos cotidianos concretizam suas concepções
sobre o processo de desenvolvimento psicológico. (LA TAILLE et al, 1992).
As concepções de Vygotsky sobre os fatores
biológicos e sociais no desenvolvimento psicológico apontam para dois caminhos
complementares de investigação: (i) o conhecimento do cérebro como substrato material
da atividade psicológica, e a (ii) cultura como parte essencial da constituição
do ser humano, num processo em que o biológico transforma-se no sócio histórico.
A construção de uma concepção que constitua uma
síntese entre o homem enquanto corpo e o homem enquanto mente, objetivo
explícito do projeto intelectual de Vygotsky e seus colaboradores, permanece um
desafio para a pesquisa e a reflexão contemporâneas, sendo ainda uma questão
epistemológica central nas investigações sobre o funcionamento psicológico do
homem (LA TAILLE et al, 1992).
Teoria Genética-Epistemológica
de Piaget
Nascido em Neuchatel, Suiça, em 1896, e
falecido em 1980, Jean Piaget optou por iniciar seus estudos científicos pela
biologia, campo no qual obteve doutorado aos 22 anos de idade. Mais adiante,
passou a estudar e a investigar a natureza humana, sobretudo, no que se refere à
inteligência humana, por entender que ela depende do seu próprio meio para se
construir, dentro de um sistema de trocas entre o organismo e o meio.
Em 1924 publica A Linguagem e o
Pensamento da Criança. Em 1926 publica A Representação do Mundo na
Criança, e é neste livro que Piaget apresenta o Método Clínico, que, mais tarde, serviria de base para a Psicologia
Genética.
No início de 1950 publica lntroduction à l
Épistémologie Génétique, republicado em 1970 com o título: Epistemologia Genétic. Define-se Epistemologia Genética como o estudo da origem do
conhecimento, origina-se de episteme que significa conhecimento, logia
que é estudo e gênese que vem de origem (BAMPI, 2006). É nesta
obra que Piaget formaliza sua Epistemologia
Psicológica.
Piaget dedicou anos de sua
vida buscando estabelecer, conforme dito por Munari (2010, apud Piaget, 1976,
p.10): “uma espécie de embriologia da
inteligência”. E estudou incansavelmente a sua evolução,
utilizando diversos métodos com ideias distintas, concluindo que existe um paralelismo entre os processos de
elaboração do conhecimento individual
e os processos de elaboração do conhecimento
coletivo, ou seja, entre a psicogênese e a história das ciências (MUNARI, 2010 apud Piaget; Garcia,
1983).
Ainda sobre a inteligência, foi um estudioso e admirador da teoria da
Gestalt, mais precisamente no tocante a ênfase que foi dada a percepção, muito embora tenha discordado
da teoria, chegando a afirmar que a inteligência é um processo muito mais ativo
do que aquele por ela formulado.
A
percepção é o ponto de partida e também um dos temas centrais da psicologia da
Gestalt. Os experimentos com a percepção levaram os teóricos da Gestalt ao
questionamento de um princípio implícito na teoria behaviorista – que há
relação de causa e efeito entre o estímulo e a resposta – porque, para os
gestaltistas, entre o estímulo que o meio fornece e a resposta do indivíduo,
encontra-se o processo de percepção. O que o indivíduo percebe e como percebe
são dados importantes para a compreensão do comportamento humano (BOCK et al, 1993,
p.54).
De acordo com Lefrançois (2008 apud Beilin e Fireman, 2000): a ação mental e física é à base da teoria de
Piaget, onde a inteligência é a propriedade da atividade que é refletida
maximamente no comportamento adaptativo e pode, em consequência disso, ser
compreendida como o processo inteiro de adaptação.
Neste caso, ainda de acordo com Lefrançois (2008), adaptação é o processo de interagir com o ambiente, assimilando seus aspectos à estrutura cognitiva e modificando ou acomodando aspectos da mesma estrutura
em relação ao ambiente, e ambas as atividades – assimilação e acomodação -
ocorrem em resposta às demandas ambientais. Assim como, orientadas pela
estrutura cognitiva, acabam por modificar a própria estrutura. Esse processo
completo pode ser inferido apenas pelo comportamento real, chamado por Piaget conteúdo.
Em outras palavras, como se vê de forma sistêmica na Figura 07, a
inteligência é definida pelas interações do indivíduo com o ambiente. Essas
interações envolvem equilíbrio entre assimilação, que é a incorporação dos
aspectos do ambiente à aprendizagem, e acomodação, que é a mudança
comportamental diante das demandas do ambiente. O resultado dessa interação ou funcionamento
é o desenvolvimento de estruturas cognitivas/esquemas e operações, que são, por
sua vez, refletidas no comportamento/conteúdo (LEFRANÇOIS, 2008).
Figura – A inteligência em ação
segundo Piaget
Fonte: Adaptado da Figura 7.4 de
Lefrançois (2008)
Escrevendo sobre essas interações com o
ambiente, La Taille et at (1992 apud Piaget, 1967), ofereceu o seguinte
comentário feito por Piaget: a
inteligência humana somente se desenvolve no indivíduo em função de interações
sociais que são, em geral, demasiadamente negligenciadas.
Tal afirmação, num livro cujo título resume o tema
central da obra do autor, talvez cause estranheza em alguns leitores, pois,
como é notório, Piaget costuma ser criticado justamente por desprezar o papel dos
fatores sociais no desenvolvimento humano. Todavia, nada seria mais injusto do que acreditar que tal desprezo
realmente existiu. O máximo que se
pode dizer é que, de fato, Piaget não se deteve longamente sobre a questão,
contentando-se em situar as influências e determinações da interação social
sobre o desenvolvimento da inteligência. Em compensação, as poucas
balizas que colocou nesta área são de suma importância, não somente para sua teoria,
como também para o tema (LA TAILLE et at, 1992).
Ampliando ainda mais a questão da relação
interativa do indivíduo com o meio, e de acordo com Bampi (2006 apud Becker,
2001, p. 78): Há uma riquíssima bagagem hereditária, produto de milhões de anos
de evolução, interagindo com uma cultura, produto de milhares de anos de
civilização. Segundo Piaget [...] podemos perceber o aluno como um sujeito
cultural ativo cuja ação tem dupla dimensão: assimiladora e acomodadora. Pela
dimensão assimiladora, ele produz transformações no mundo objetivo, enquanto
que pela dimensão acomodadora produz transformações em si mesmo, no mundo
subjetivo. Assimilação e acomodação constituem as duas faces, complementares
entre si, de todas as suas ações.
Nesta verdadeira obra-prima
que é o Nascimento da inteligência da criança, as relações entre
o sujeito e o meio consistem numa interação radical, de modo tal que a
consciência não começa pelo conhecimento dos objetos nem pelo da atividade do
sujeito, mas por um estado indiferenciado; e é deste estado que derivam dois
movimentos complementares, um de incorporação das coisas ao sujeito, o outro de
acomodação às próprias coisas. A organização de uma atividade assimiladora é
testemunha, é essencialmente, construção e, assim, é de fato invenção, desde o
princípio (p. 389). Isto é, a novidade emerge da própria natureza do processo
de desenvolvimento do conhecimento humano (BAMPI, 2006 apud BECKER, 2001, p.21)
Frequentemente vemos teorias sobre cognição
se limitarem a pensar a inteligência somente sob seus aspectos lógicos e
biológicos, sem lembrar seu caráter social. Mas também, quando pensamos o
social, frequentemente limitamo-nos a analisar processos de educação escolar ou
de aquisição de linguagem. Ora, a dimensão ética está sempre presente, uma vez
que qualquer relação interindividual pressupõe regras. O mérito de Piaget foi o
de integrar essas regras ao próprio processo de desenvolvimento, embora sua
teoria corra o risco de pretender demonstrar o que era, na verdade,
pressuposto: o valor ético da igualdade, da liberdade, da democracia. Em uma
palavra, o valor dos direitos humanos (LA TAILLE et at,1992)
Ainda segundo La Taille et at (1992 apud
Piaget, 1977, p. 242). “O homem normal
não é social da mesma maneira aos seis meses ou aos vinte anos de idade, e, por
conseguinte, sua individualidade não pode ser da mesma qualidade nesses dois
diferentes níveis.”
Piaget procurou ligações entre a psicologia
e a biologia numa tentativa de explicar cientificamente a existência do homem,
também afirmou em sua obra que está na própria criança a fonte originária dos
dados para o estudo de como acontece o seu desenvolvimento intelectual.
Para clarear a
posição de Piaget sobre a questão biológica, alvo de tantas polêmicas, Bampi (2006, Piaget apud Seber, 1997, p. 51), trás o seguinte
pensamento:
O organismo é um ciclo de
processos físico-químicos e cinéticos que, em relação constante com o meio,
engendram-se mutuamente […] o funcionamento do organismo não destrói, mas
conserva o ciclo de organização e coordena os dados do meio, de modo a
incorporá-los nesse ciclo […] o corpo vivo apresenta uma estrutura organizada,
um sistema de relações interdependentes; […] trabalha para conservar a sua
estrutura definida e, para fazê-lo, incorpora-lhe os alimentos químicos e
energéticos necessários, retirados do meio ambiente; por consequência reage
sempre às ações do meio em função desta estrutura particular e tende, afinal de
contas, a impor ao universo inteiro uma forma de equilíbrio dependente desta
organização
O envolvimento de Piaget com a biologia
transferiu e fez produzir duas indagações que nortearam seus estudos sobre o
desenvolvimento da criança. Uma sobre a maneira de classificar o
desenvolvimento infantil, e a outra sobre quais características permitem as
crianças se adaptarem ao seu ambiente.
A orientação teórica de Piaget é claramente
biológica e evolucionária, bem como cognitiva, ou seja, ele estuda o
desenvolvimento da mente (uma busca cognitiva) no contexto da adaptação
biológica. Como coloca Von Glasersfeld (1997), a mais básica de todas as ideias
de Piaget é: o desenvolvimento humano é
um processo de adaptação. E a mais alta forma de adaptação é a cognição (ou o
conhecimento) (LEFRANÇOIS, 2008 p.244)
Para Piaget o indivíduo recém-nascido, além
de indefeso, não conhece as coisas do mundo real, sobretudo os processos de
causas e efeitos. Sua mente ainda não acumulou nenhuma ideia, e justamente por
isto não apresenta comportamento intencional, conta apenas com raros reflexos e
uma imensa capacidade de adaptação.
Segundo Lefrançois (2008), [...] os recém-nascidos
são pequenas máquinas sensoriais que parecem naturalmente predispostas a
adquirir e processar uma tremenda quantidade de informação. Eles buscam a
estimulação exterior e respondem a ela de forma contínua, como destaca Flavell
(1985). Como resultado, os reflexos simples dos bebês – sugar, alcançar e
agarrar – tornam-se mais complexos, mais coordenados e mais propositais, O
processo pelo qual isso ocorre é a adaptação. E responde à primeira das questões da biologia levantadas por Piaget:
assimilação e acomodação são os processos que tornam possível a criança se
adaptar ao ambiente.
De forma resumida, o autor esclarece que
assimilação implica reagir com base em aprendizagem e compreensão prévias;
acomodação implica mudança de compreensão. E essa interação entre assimilação e
acomodação leva à adaptação.
Toda atividade envolve tanto a assimilação
quanto à acomodação, e é importante que haja um equilíbrio, um balaço entre uma
e outra, processo que Piaget chamou de equilibração, ou seja: se muita assimilação, não há uma nova
aprendizagem; se há muita acomodação ou mudança, o comportamento torna-se
caótico (LEFRANÇOIS, 2008).
Assimilação e acomodação pelos seus
comportamentos que não permitem a modificação, em razão do desenvolvimento,
foram denominadas de invariantes
funcionais por Piaget, que podem ser exemplificadas na primeira infância
pelo ato de brincar, característico da assimilação, e a imitação que é
característico da acomodação.
Quando as crianças brincam elas assimilam
continuamente objetos ou atividades predeterminadas, ignorando os atributos que
não se encaixam naquela atividade. Por exemplo, quando as crianças sentam numa
cadeira e dizem “Upa cavalinho”, não estão dando atenção particular aos
atributos da cadeira que não lembram um cavalo. Esse tipo de comportamento ao
brincar envolve pouca mudança, portanto, há pouca acomodação – o que não
significa negar sua importância no desenvolvimento infantil. O efeito é a
estabilização da atividade, para que se fixe o estágio para a aprendizagem seguinte
(LEFRANÇOIS, 2008)
As crianças ao brincarem e jogarem se
submetem, de acordo com a sua compreensão das regras, a vários estágios no
processo do seu desenvolvimento, conforme o exposto no quadro abaixo.
Em sua amplitude, a teoria piageteana
tratou da Psicologia Genética, da Lógica e Epistemologia, e da Epistemologia
Genética, sempre na busca por um modelo para a
estrutura cognitiva humana que viabilizasse a formação e o desenvolvimento do
conhecimento.
Para tanto, dentre outros
estudos, persistentemente, ele e seus colaboradores realizaram um grande número
de experimentos com bebês, crianças e adolescentes visando a compreender e
estabelecer o Modelo Clínico, citado
anteriormente (RIZZI, C. B.; COSTA, A. C. R, 2004).
Compreensão
das Regras pelas Crianças
|
||||
Estágio
|
Idade Aproximada
|
Grau de Compreensão
|
Adesão às Regras
|
|
Estágio 01
|
Antes
dos 3
|
Nenhuma
compreensão de regras
|
Não
brincam de acordo com as regras
|
Não
têm ideia de que as regras existem e brincam sem observá-las
|
Estágio
02
|
Dos 3
aos 5
|
Acreditam
que as regras vêm de Deus (ou de alguma autoridade maior) e não podem ser
mudadas.
|
Quebram
e mudam as regras constantemente
|
Já
desenvolveram a crença de que as regras são eternas e imutáveis.
|
Estágio
03
|
Dos 5
aos 11 ou 12
|
Compreendem
que as regras são sociais e podem ser mudadas
|
Não
mudam as regras; aderem a elas de forma rígida
|
Começam
a perceber que as regras são feitas pelas pessoas e podem ser mudadas.
Ironicamente as crianças são muito rígidas no respeito a elas.
|
Estágio
04
|
Depois
dos 11 ou 12
|
Compreensão
completa
|
Mudam
as regras por consentimento mútuo
|
Chegam
à compreensão completa das regras. Tanto em relação ao comportamento quanto
em relação ao pensamento, aceitam as regras como modificáveis
|
Quadro –
Compreensão das Regras Pelas Crianças - PIAGET
Fonte: Adaptado da Tabela 7.2 (LEFRANÇOIS, 2008)
Estes experimentos acabaram
por convencer Piaget de que a estrutura cognitiva não se constituía apenas pela
herança genética do indivíduo, no que se pode chamar de Visão Apriorista, que
acredita que o conhecimento é produzido pela capacidade inata, aquela que nasce
com ele; nem muito menos apenas pela Visão Empirista, que acontece
exclusivamente pela experiência adquirida, mais sim pela visão da Epistemologia
Genética, onde o conhecimento se constrói na interação do sujeito com o
ambiente.
O
Método Clínico pode ser entendido como um procedimento de entrevistas com
crianças, realizado através da coleta e análise de dados, onde se acompanha
sistematicamente o pensamento da criança. De acordo com as respostas obtidas, o
entrevistador numa atitude flexível e interagindo de forma adequada, elabora
novas perguntas, onde se avalia a sua qualidade e a sua abrangência.
Piaget deve a descoberta de
novos dados, uma mina de ouro, ao novo método introduzido por ele, o método
clínico, cuja força e originalidade situam-se entre os melhores métodos de
pesquisa psicológica e convertem-no em um elemento insubstituível para o estudo
da mudança evolutiva das complexas formações do pensamento infantil (BAMPI, 2006
apud VYGOTSKY, 1934, p. 31).
As investigações de Jean Piaget sobre a ontogênese do
conhecimento levaram-no ao entendimento da organização da inteligência humana
como sendo uma estrutura construída ao longo do processo evolutivo. Sendo
a inteligência passível de desenvolver-se por estágios definidos, relacionados
à idade cronológica, conforme se encontra na Tabela 02. Estes estágios
referem-se ao processo de compreensão sobre o universo, que garantirão sua
adaptação a ele e, consequentemente, seu desenvolvimento intelectual estará
subordinado à ação do sujeito sobre o meio, e as experiências do sujeito no
meio físico e social. (BAMPI, 2006).
Os processos equilibradores da
assimilação e da acomodação são responsáveis por todas as mudanças associadas
ao desenvolvimento cognitivo. Na sua
concepção, é mais provável que o desequilíbrio ocorra durante os períodos de
transição entre estágios. Isto é, apesar de Piaget ter postulado que os
processos equilibradores continuam por toda a infância, à medida que as crianças
adaptam-se continuamente ao seu ambiente, ele também considerou que o
desenvolvimento envolve estágios, distintos, descontínuos. Particularmente, Piaget (1969, 1972) dividiu o desenvolvimento
cognitivo nos quatro estágios sensório-motor, pré-operatório, operatório
concreto e operatório formal (STEENBERG, 2000).
Estágio
|
Idade Aproximada
|
Características Principais
|
Sensório-motor
|
0-2 anos
|
·
Inteligência Motora
·
O mundo do aqui e agora
·
Ausência de linguagem e de
pensamento nos estágios iniciais
·
Nenhuma noção da realidade
|
Pré-operacional
|
2-7 anos
|
|
Pré-conceitual
|
2-4 anos
|
·
Pensamento egocêntrico
·
Raciocínio dominado pela
percepção
|
Intuitivo
|
4-7 anos
|
·
Soluções intuitivas e não
lógicas
·
Incapacidade de conservar
|
Operações Concretas
|
7-11 ou 12 anos
|
·
Capacidade de conservar
·
Lógicas de classes e relações
·
Compreensão de números
·
Pensamento ligado ao concreto
·
Desenvolvimento da
reversibilidade no pensamento
|
Operações Formais
|
11 ou 12-14 ou 15 anos
|
·
Generalidade completa do
pensamento
·
Pensamento proposicional
·
Capacidade de lidar com o
hipotético
·
Desenvolvimento de forte
idealismo
|
Tabela – Estágios do Desenvolvimento Cognitivo
de Piaget
Fonte:
Lefrançois (2008)
Estágio Sensório-motor
O que marca este
estágio é a ausência da linguagem e
da representação no comportamento da
criança. O mundo da criança, por não poder ser representado mentalmente, é um
mundo do aqui e agora, nele os objetos só existem apenas no momento em que a
criança sente e manipula, por isso é chamado de sensório-motor.
Sternberg (2000)
diz que, para Piaget as primeiras adaptações do bebê são reflexivas, e ele
gradualmente vai obtendo o controle consciente e intencional sobre as suas
ações motoras. A Princípio, ele age assim para manter ou repetir sensações
interessantes. Mais tarde, entretanto, exploram ativamente seu mundo físico, e
buscam, de forma determinada, novas e interessantes sensações.
Ao longo das primeiras
fases do desenvolvimento cognitivo sensório-motor, a cognição infantil parece
focalizar-se apenas no que eles podem perceber imediatamente, pelos seus
sentidos. Os bebês nada concebem que não lhes seja imediatamente perceptível.
De acordo com Piaget, eles não têm um senso de permanência do objeto, pela qual
os objetos continuam a existir, mesmo quando imperceptível aos bebês
(STERNBERG, 2000, p.375).
Estágio Pré-operacional
O estágio da
inteligência pré-operacional na criança é caracterizado pela evolução do seu
entendimento do mundo, mais ainda muito aquém da compreensão do adulto, sendo
visto em dois momento, o subestágio pré-conceitual
e o subestágio intuitivo.
A criança pré-conceitual,
período entre dois e quatro anos, adquire a capacidade de representar objetos
internamente, ou seja: no âmbito mental, e identificá-los com base na sua
inclusão em classes, mas agora reage a todos os objetos semelhantes como se
eles fossem idênticos. No entanto, a compreensão delas é incompleta porque não
são, ainda, capazes de distinguir entre membros aparentemente idênticos da
mesma classe, daí o termo pré-conceitual.
Outra característica deste estágio é que ele é transdedutivo, em vez de dedutivo
ou indutivo (LEFRANÇOIS, 2008).
E explica
Lefrançois (2008): o raciocínio dedutivo parte do geral para o específico. O
raciocínio indutivo vai do específico ao geral. Tanto o dedutivo quanto o
indutivo são métodos válidos do pensamento lógico. Em contraposição o
raciocínio transdutivo é um tipo falso de lógica que envolve fazer inferências
de um específico para outro. Como exemplo: a criança que raciocina Meu cachorro
tem pêlo e aquela coisa tem pêlo; portanto, aquela coisa é um cachorro.
Já entre os quatro
e os sete anos, a criança se encontra no pensamento intuitivo e atinge a
compreensão mais completa dos conceitos e não mais raciocinam de modo
trandutivo. Seu pensamento tornou-se mais lógico, embora ainda seja governado
mais pela percepção do que pela lógica. Na verdade, o papel desempenhado pela
percepção neste estágio é provavelmente a característica mais notável desse
período. O papel da percepção é evidente na falta de conservação da criança, no
pensamento egocêntrico e nas dificuldades com o problema da classificação.
As observações com
crianças neste estágio, apresentadas na figura abaixo, com duas imagens (a) e (b),
ambas com reservatórios rigorosamente com a mesma quantidade de líquido,
demonstram que elas, quase invariavelmente, afirmam que o recipiente mais fino
e mais comprido tem mais líquido. Elas são enganadas pela aparência
(percepção), bem como pela falta de capacidades lógicas específicas.
Figura : Experimento de
Conservação – Percepção em Piaget
Fonte: Figura 7.5 (LEFRANÇOIS,
2008, p. 253)
Chama-se pré-operacional
porque no período que antecede aos 7 anos de idade, a criança não raciocina com
operações. No sistema peageteano o
termo operação é destaque, e pode ser
definido como uma atividade do pensamento, voltada para o interior, sujeita a algumas
regras da lógica, com a reversibilidade; a
identidade; e a compensação, que são tratadas no estágio das operações
concretas.
Sternberg (2000), afirma
que ocorrem muitas modificações do desenvolvimento no decorrer desse estágio. A
experimentação intencional e ativa das crianças com a linguagem e com objetos
em seus ambientes resulta em enormes acréscimos no desenvolvimento conceitual e
linguístico. Esses desenvolvimentos auxiliam a abrir caminho para o
desenvolvimento cognitivo no estágio de operações concretas.
Ainda para
Sternberg (2000), as crianças têm mais dificuldades para conservar a
quantidade, quando ocorrem modificações perceptíveis, conforme os experimentos
apresentados no Quadro 04 abaixo.
Operações Concretas
O terceiro estágio
denominado por Piaget de Operações Concretas situa as crianças entre as idades
de 7 a 8 anos e 11 ou doze anos e são capazes de mentalmente compor ou manipular
as representações que adquiriram no estágio pré-operatório.
Segundo Sternberg (2000), elas
agora não só têm ideias e memórias dos objetos, mas também podem realmente
realizar operações mentais com essas ideias e memórias. Entretanto, podem agir assim apenas quanto a objetos concretos (p.ex., ideias
e memórias de carros, alimentos, brinquedos e outras coisas tangíveis) – daí a
denominação de operações concretas.
Possivelmente,
a evidência mais forte da passagem do estágio anterior para o concreto seja
sentido nos experimentos clássicos de Piaget, conforme consta do Quadro 09,
sobre a conservação da quantidade.
Para
Sternberg (2000), na conservação, a criança é capaz de conservar mentalmente ou
lembrar-se de uma determinada quantidade, muito embora observe que houve
modificações na aparência do objeto ou da substância.
O pensamento operatório concreto permite à criança
apreender que um objeto pode ser ao mesmo tempo semelhante e diferente de
outros objetos. [...] assim, se uma criança aprecia que um dado elemento pode
ser igual e diferente dos outros, ela possui flexibilidade de raciocínio para
construir a noção de unidade. E é esta unidade que permite a verdadeira
quantificação da experiência em todos os seus muitos domínios. É capaz de
quantificar as suas experiências na realidade (BAMPI, 2006 apud ELKIND, 1978,
p. 96).
Neste período,
segundo Bock et al (1993), o egocentrismo intelectual e social demonstrado pelo
indivíduo no estágio anterior, é superado nas Operações Concretas pelo início
da construção lógica, ou seja, a capacidade de ter pontos de vista diferentes,
que podem se referir a outras pessoas ou a ele próprio, e passam a ver um
objeto ou situação com aspectos diferentes ou até mesmo conflitantes,
coordenando-os e integrando-os de modo lógico e coerente.
Neste nível do
pensamento, conforme registra bock et al (1993), o indivíduo consegue: (i)
estabelecer corretamente as relações de causa e efeito e de meio e fim; (ii) sequenciar
ideias ou eventos; (iii) trabalhar ideias sob dois pontos de vista,
simultaneamente; e (iv) formar o conceito de número. No início do período, sua
noção de número está vinculada a uma correspondência com o objeto concreto.
No plano afetivo,
isto significa que ele será capaz de cooperar com os outros, de trabalhar em
grupo e, ao mesmo tempo, de ter autonomia pessoal.
[...] ocorre o
aparecimento da vontade como qualidade superior e que atua quando há
conflitos de tendências ou intenções (entre o dever e o prazer, por exemplo). A
criança adquire uma autonomia crescente em relação ao adulto, passando a
organizar seus próprios valores morais. Os novos sentimentos morais,
característicos deste período são: o respeito mútuo, a honestidade, o
companheirismo e a justiça, que considera a intenção na ação. Por exemplo, se a
criança quebra o vaso da mãe, ela acha que não deve ser punida se isto ocorreu
acidentalmente [...] (Bock et al. 1992 p.89, grifo do autor).
Quadro:
Experimento de Conservação – Comparação Pré-operacional e Operatório Concreto
Fonte:
Tabela 13.2 de Sternberg (2000, p. 378-379)
Neste estágio, os indivíduos,
a partir de coisas reais e concretas, conseguem executar suas habilidades e
capacidades.
Neste nível do
pensamento, conforme registra bock et al (1993), o indivíduo consegue: (i)
estabelecer corretamente as relações de causa e efeito e de meio e fim; (ii) sequenciar
ideias ou eventos; (iii) trabalhar ideias sob dois pontos de vista,
simultaneamente; e (iv) formar o conceito de número. No início do período, sua
noção de número está vinculada a uma correspondência com o objeto concreto.
No plano afetivo,
isto significa que ele será capaz de cooperar com os outros, de trabalhar em
grupo e, ao mesmo tempo, de ter autonomia pessoal.
[...] ocorre o
aparecimento da vontade como qualidade superior e que atua quando há
conflitos de tendências ou intenções (entre o dever e o prazer, por exemplo). A
criança adquire uma autonomia crescente em relação ao adulto, passando a
organizar seus próprios valores morais. Os novos sentimentos morais,
característicos deste período são: o respeito mútuo, a honestidade, o
companheirismo e a justiça, que considera a intenção na ação. Por exemplo, se a
criança quebra o vaso da mãe, ela acha que não deve ser punida se isto ocorreu
acidentalmente [...] (Bock et al. 1992 p.89, grifo do autor).
E ainda segundo Bock et al (1992), ao longo
desse estágio vai se desenvolvendo no indivíduo a cooperação, fator muito
importante como um facilitador do trabalho em grupo, que vai se tornando uma
constante em sua vida.
Operações Formais
O estágio operatório formal, que compreende a faixa
etária dos 11 ou 12 anos em diante, envolve operações mentais sobre abstrações
e símbolos que podem não ter formas concretas ou físicas. Além do mais, as
crianças começam a compreender algumas coisas que elas mesmas tinham
experimentado diretamente (STERNBERG, 2000 apud INHELDER & PIAGET, 1958).
Chega-se a fase do processo
que leva as operações a se libertarem da duração do contexto psicológico das
ações do sujeito com aquelas que comportam dimensões causais, além de suas
propriedades implicadoras ou lógicas, para atingir finalmente esse aspecto
extemporâneo que é peculiar das ligações lógico-matemáticas depuradas.
Neste período, na medida em
que se interiorizam as operações lógico-matemáticas do sujeito, graças às
abstrações refletidoras que elaboram operações sobre outras operações, e na
medida em que é finalmente atingida esta extemporaneidade que caracteriza os
conjuntos de transformações possíveis e não mais apenas reais, que o mundo
físico e seu dinamismo espaço-temporal, englobando o sujeito como uma parte
ínfima entre as demais começa a tornar-se acessível a uma observação objetiva
de certas de suas leis, e, sobretudo as explicações causais que forçam o
espírito a uma constante descontração na sua conquista dos
objetos (MUNARI,
2010).
Ocorre então a transição do pensamento
concreto para o pensamento formal, abstrato, ou seja, o adolescente realiza as
operações no plano das ideias, sem necessitar de manipulação ou referências
concretas, como no período anterior. É capaz de lidar com conceitos como liberdade,
justiça etc.
O adolescente domina, progressivamente, a
capacidade de abstrair e generalizar cria teorias sobre o mundo, principalmente
sobre aspectos que gostaria de reformular. Isso é possível graças à capacidade
de reflexão espontânea que, cada vez mais descolada do real, é capaz de tirar
conclusões de puras hipóteses (BOCK et al, 1993).
Segundo Bock et al (1993), o livre
exercício da reflexão permite ao adolescente, inicialmente, submeter o mundo
real aos sistemas e teorias que o seu pensamento é capaz de criar. Isto vai sendo
atenuado de forma crescente, através da reconciliação do pensamento com a
realidade, até ficar claro que a função da reflexão não é contradizer, mas se
adiantar e interpretar a experiência.
Para Sternberg
(2000), neste período os indivíduos são capazes de adotar outras perspectivas
além das suas próprias, mesmo quando não estão trabalhando com objetos
concretos. Além disso, procuram criar uma representação mental sistemática das
situações com as quais se deparam. Piaget usou diversas tarefas para demonstrar
o ingresso nas operações formais. Por exemplo, considerando a maneira pela qual
se executam as permutações ou variações em combinações, ele faz a seguinte
indagação, cujas respostas são descritas no Quadro 10:
Quais são todas as permutações possíveis das letras “A”; “B”; “C”; e
“D” “D”?
Quadro: Tarefa de Combinações para o Estágio das Operações Formais
Fonte:
Adaptado de Sternberg (2000, p. 380)
Outros aspectos do
raciocínio dedutivo e indutivo também se desenvolvem neste período, Assim como
crescem a capacidade para usar a lógica formal, raciocínio matemático, e a
sofisticação do processamento conceitual e linguístico.
[...] o raciocínio pertence ao processo de tirar
conclusões a partir dos princípios e da evidência, passando do que já é
conhecido a inferir uma nova conclusão ou avaliar uma conclusão proposta. O
raciocínio, frequentemente, é dividido em dois tipos – raciocínio dedutivo e
raciocínio indutivo [...] (STERNBERG, 2000 apud WATSON & JOHNSON-LAIRD,
1972).
No Quadro 11 estão
descritas algumas das características que envolvem o raciocínio dedutivo e
indutivo.

Fonte:
Sternberg (2000, p. 349)
Do ponto de vista de suas relações sociais,
também ocorre o processo de caracterizar-se, inicialmente, por uma fase de
interiorização, em que, aparentemente, é antissocial. Ele se afasta da família,
não aceita conselhos dos adultos; mas, na realidade, o alvo de sua reflexão é a
sociedade, sempre analisada como passível de ser reformada e transformada.
Posteriormente, atinge o equilíbrio entre pensamento e realidade, quando
compreende a importância da reflexão para a sua ação sobre o mundo real. Por
exemplo, no início do período, o adolescente que tem dificuldades na disciplina
de Matemática pode propor sua retirada do currículo e, posteriormente, pode
propor soluções mais viáveis e adequadas, que considerem as exigências sociais
(BOCK et al, 1993).
Afetivamente, o adolescente vive conflitos.
Deseja ser aceito pelos amigos e pelos adultos. Muito embora queira se libertar
dele, mas sabe que ainda depende do adulto.
O grupo de amigos é um importante
referencial para o jovem, determinando o vocabulário, as vestimentas e outros
aspectos de seu comportamento, e começa a estabelecer sua moral individual, que
é referenciada à moral do grupo (BOCK et al, 1993).
É importante lembrar que na nossa cultura,
em determinadas classes sociais que protegem a infância e a juventude, a
prorrogação do período da adolescência é cada vez maior, caracterizando-se por
uma dependência em relação aos pais e uma postergação do período em que o
indivíduo vai se tornar socialmente produtivo e, portanto, entrará na idade
adulta.
Conforme Piaget, a personalidade começa a
se formar no final da infância, entre 8 e 12 anos, com a organização autônoma
das regras, dos valores, a afirmação da vontade. Esses aspectos subordinam-se
num sistema único e pessoal e vão-se exteriorizar na construção de um projeto
de vida. Esse projeto é que vai nortear o indivíduo em sua
adaptação ativa à realidade, que ocorre através de sua inserção no mundo do
trabalho ou na preparação para ele, quando ocorre um equilíbrio entre o real e
os ideais do indivíduo, isto é, de revolucionário no plano das ideias,
ele se torna transformador, no plano da ação (BOCK et al, 1993).
Na idade adulta não surge nenhuma nova
estrutura mental, e o indivíduo caminha então para um aumento gradual do
desenvolvimento cognitivo, em profundidade, e uma maior compreensão dos
problemas e das realidades significativas que o atingem. Isto influencia os
conteúdos afetivo-emocionais e sua forma de estar no mundo.
Na essência, o pensamento de Piaget diz
respeito a uma teoria do desenvolvimento humano, em especial devido a sua
ênfase na gênese ou desenvolvimento do conhecimento, o que foi chamado por ele
de epistemologia genética. Do ponto de vista educacional, Lefrançois (2008 apud
PIAGET, 1961), trás as seguintes afirmações presentes na teoria: (i) a
aquisição do conhecimento é um processo desenvolvimentista gradual que se torna
possível pela interação da criança com o ambiente; (ii) a sofisticação da
representação do mundo pelas crianças é uma função do seu estágio de
desenvolvimento. Esse estágio é definido pelas estruturas de pensamento que
elas possuem na ocasião; e (iv) a maturação, experiência ativa, equilibração e
interação social são as forças que moldam a aprendizagem, conforme consta
descritivamente no quadro abaixo.
Força
|
Explicação
|
Implicação
Educacional
|
Equilibração
|
A
tendência em manter um equilíbrio entre assimilação (resposta que utiliza
aprendizagem prévia) e acomodação (mudança de comportamento em resposta ao
ambiente).
|
É
necessário proporcionar às crianças atividades com nível ótimo de dificuldade
– nem tão difíceis a ponto de elas se sentirem exageradamente desafiadas, nem
tão fáceis a ponto de não requererem nenhuma acomodação
|
Maturação
|
As
forças genéticas que, embora não determinem o comportamento, estão
relacionadas ao seu desdobramento
|
Os
professores precisam saber alguma coisa sobre como as crianças pensam e
aprendem – sobre seu nível de maturação e compreensão, para otimizar suas
experiências educacionais.
|
Experiência Ativa
|
A
interação com objetos e eventos reais permite aos indivíduos descobrir coisas
e inventar (construir) representações mentais do mundo
|
Essa
força apoia um currículo construtivista, aquele no qual o aprendiz é
envolvido ativamente no processo de descobrir e aprender.
|
Interação Social
|
A
interação com as pessoas resulta na elaboração de ideias sobre as coisas, as
pessoas e sobre si mesmo.
|
As
escolas precisam oferecer amplas oportunidades para a integração aluno-aluno
e professor-aluno nas áreas acadêmicas (sala de aula) e não acadêmicas
(playground, biblioteca etc.)
|
Quadro: Forças que moldam o Desenvolvimento Humano de Piaget
Fonte: Lefrançois (2008, p. 262)
Lefrançois (2008) destaca que, ao descrever
as forças que modelam o desenvolvimento da criança, Piaget atribuiu um
importante papel à interação social. É por meio dela que as crianças se tornam
conscientes dos sentimos e pensamentos alheios, desenvolvem regras morais e de
brincar, e desenvolvem e praticam seus próprios processos de pensamento lógico.
Ainda pedagogicamente, é importante ressaltar
que não existe nenhum método desenvolvido por Piaget, sua obstinação sempre foi
por entender como o conhecimento é construído, fato que o leva a se tornar um epistemólogo. No entanto, algumas
propostas pedagógicas utilizaram suas teorias como ponto de desenvolvimento e
implementação de métodos didático-pedagógicos voltados para o
ensino-aprendizagem.
Destarte, o que se pode tirar de Piaget
sobre educação nos trás Munari (2010 apud Piaget,
1940, p.12): “A educação constitui, pois,
em sua opinião, a primeira tarefa de todos os povos, sobrepondo as diferenças
ideológicas e políticas, o bem comum de todas as civilizações: a educação da
criança”.
Ademais, Piaget propôs uma
escola não coercitiva, onde o aluno, por si mesmo, experimenta e reconstrói
aquilo que busca aprender. Pode-se então dizer que Piaget ofereceu apenas um
projeto educativo.
Não se aprende a experimentar
simplesmente vendo o professor experimentar, ou dedicando-se a exercícios já
previamente organizados: só se aprende a experimentar, tateando, por si mesmo,
trabalhando ativamente, ou seja, em liberdade e dispondo de todo o tempo
necessário (MUNARI 2010, apud Piaget, 1949, p.39).
Becker
(2001, p. 78) amplia a nossa compreensão sobre esse ponto:
Segundo Piaget [...] podemos
perceber o aluno como um sujeito cultural ativo cuja ação tem dupla dimensão:
assimiladora e acomodadora. Pela dimensão assimiladora, ele produz
transformações no mundo objetivo, enquanto que pela dimensão acomodadora produz
transformações em si mesmo, no mundo subjetivo. Assimilação e acomodação
constituem as duas faces, complementares entre si, de todas as suas ações.
Críticas ao Estágio das Operações Formais
Em seu pensamento teórico, Piaget procurou
não deixar muito espaço para dúvidas quanto ao entendimento de que as operações
formais são características da grande maioria dos adolescentes mais velhos, bem
como da maioria dos adultos. Entretanto, muitos estudos não conseguiram
encontrar evidências das Operações Formais entre adultos, quanto mais entre
adolescentes.
Quando Dulit (LEFRANÇOIS,
2008 apud DULIT, 1972) avaliou adolescentes talentosos mais velhos em Operações
Formais, descobriu que pelo menos a metade ainda funcionava no nível das Operações
Concretas; um quarto dos adolescentes mais velhos e dos alunos operava no nível
das Operações Formais. Da mesma maneira, estudos interculturais têm procurado
encontrar evidências de pensamento além das operações concretas em muitas
culturas. Ironicamente, parece que Piaget, embora tenha subestimado as
capacidades das crianças pequenas, pode ter superestimado as das crianças mais
velhas e as dos adolescentes (LEFRANÇOIS, 2008 apud INHELDER E PIAGET, 1958)
Em virtudes dessas descobertas, Piaget aceitou que o Estágio das Operações Formais
está longe de ser tão geral quanto pensava e alterou a sua postura anterior.
As evidências disponíveis sugerem que as
operações formais são consideradas de forma mais adequada se vista como
processos cognitivos potenciais em vez de prováveis: Em resumo, as operações formais são provavelmente impossíveis na média
infância, ou antes; elas são possíveis, mas estão longe de ser completamente
gerais, na adolescência e na idade adulta (LEFRANÇOIS, 2008, apud PIAGET, 1972).
Importantes Contribuições Contemporâneas à Teoria de Piaget
Os Teóricos que deram prosseguimentos ao
pensamento de Piaget promoveram um entendimento e uma compreensão mais ampla da
teoria do desenvolvimento cognitivo.
Segundo Sternberg (2000), cada um dos
seguidores de Piaget é individualmente diferente, todavia, boa parte é pacifica
quanto aos seguintes aspectos: (i) aceitar
a noção geral dos estágios do desenvolvimento cognitivo, de Piaget; (ii) concentrar-se nos aspectos científicos ou
lógicos desse desenvolvimento - muitas vezes, observando as crianças
empenharem-se em muitas das mesmas tarefas usadas por Piaget-; (iii) conservar alguns vínculos com a noção de que
o desenvolvimento cognitivo ocorre através da equilibração.
Alguns desses seguidores de Piaget desenvolveram
e inseriram um quinto estágio de desenvolvimento cognitivo, sem fazerem grandes
intervenções na teoria do desenvolvimento cognitivo, apenas sugere um quinto
estágio, além dos quatro desenvolvidos por Piaget.
De acordo com Sternberg (2000 apud ARLIN,
1975), Arlin propôs que a descoberta de
problemas fosse a essência do quinto estágio. Nele, as pessoas chegariam a
dominar as tarefas de entender exatamente com quais problemas se deparariam, e
decidiriam quais deles são mais importantes e dignos dos seus esforços para a
solução.
Reconhecendo que na vida não há como ter
uma posição ou resposta definitiva, outros teóricos admitiram que o raciocínio
lógico, além das operações formais de Piaget, pode caminhar para um quinto
estágio. Entenderam eles que na vida vai-se construindo a teses, depois a
antítese, e a síntese, e depois se inicia uma nova tese, antítese, síntese, e
assim por diante.
Psicólogos como Deirdre Kramer (1990), Gisela
Labouvie-Vief (1980, 1990), Juan Pascual-Leone (1984, 1990) e Klaus Riegel
(1973) afirmam que, depois do estágio de operações formais, alcançamos um
estágio de pensamento pós-formal, no qual reconhecemos os constantes
desdobramentos e a evolução do pensamento, tal como na dialética proposta
originalmente pelo filósofo Georg Hegel. O pensamento pós-formal possibilita
que os adultos manipulem, mentalmente, os caprichos e as inconsistências das
situações cotidianas, nas quais, raramente, estão disponíveis respostas simples
e sem ambiguidades. Pelo pensamento pós-formal, podemos refletir e escolher
dentre alternativas, reconhecendo que alternativas podem oferecer benefícios
inalcançáveis a parir da escolhida (STERNBERG, 2000, p. 383).
Um dos que concordam com Piaget quanto à
existência de apenas quatro estágios, segundo Sternberg (2000, apud CASE, 1984;
1985; 1987), é Robbie Case, e para ele existiria apenas variações nos estágios,
e na medida em que a capacidade de processamento da informação aumentasse, da
mesma forma aumentaria a sua capacidade para manipular essas representações
internas.
Case sugeriu dois tipos de processos pelos
quais o desenvolvimento cognitivo é alcançado:
O primeiro processo
é pela Inter coordenação, onde a
criança usa ativamente os recursos de atenção para formar novas estruturas
cognitivas, durante tarefas cognitivas, tais como a exploração do ambiente e a resolução
de problemas; E o segundo pela redução da quantidade de recursos de atenção
necessários para desempenhar uma determinada tarefa, liberando, desse modo,
esses recursos para outros processos cognitivos. Ou seja, pela consolidação, a criança integra em um
todo unificado as múltiplas estruturas existentes, e pela automatização a repetida prática de procedimentos pela criança
reduz a quantidade de esforço consciente necessário para a realização desses
procedimentos, transformando-os de processos controlados para processos
automáticos (STERNBERG, 2000, p.383 apud CASE, 1992).
De acordo com Sternberg (2000, apud FISCHER,
1980), outro que sugeriu vários mecanismos para o desenvolvimento cognitivo foi
Kurt Fischer, permitindo que as crianças progridam de um nível de
desenvolvimento para outro, não sendo o nível anterior modificado, até que a
criança tenha dominado todas as habilidades necessárias para passar ao nível
seguinte de desenvolvimento. E, logo que todas as habilidades necessárias para
um dado nível sejam dominadas, a criança pode intercoordená-las, com o intuito de
se lançar para o próximo nível de desenvolvimento cognitivo. Assim, ele trata
simultaneamente das questões da continuidade versus descontinuidade, e do desempenho versus competência, sugerindo que podemos conceber o desenvolvimento em função de mudanças contínuas no
desempenho típico, acompanhadas por mudanças descontínuas nos níveis ótimos de
competência.
Por outro lado, segundo Bock et al (2001), Piaget
não desenvolveu uma teoria do processo de ensino-aprendizagem, mas formulou
referências claras que, na década de 80, seriam utilizadas por sua aluna
doutorando em psicopedagoga, a argentina Emília Ferreiro.
Ainda de acordo com Bock et al (2000), Ferreiro
procurou demonstrar que existem mecanismos no indivíduo que aprende mecanismos
estes que surgem da interação com a linguagem escrita, e que emergem de uma
forma muito particular em cada um dos sujeitos. Desta forma, as crianças
interpretam o ensino que recebem, transformando a escrita convencional e
produzindo escritas estranhas ao adulto. São, na verdade, do ponto de vista de
Ferreiro, aplicações de esquemas de assimilação
ao objeto de aprendizagem; são formas de interpretar e compreender o mundo das
coisas.
Existe um sujeito que conhece e que, para conhecer,
emprega mecanismos de aprendizagem, diz Ferreiro. Há, na sua concepção, um papel ativo
do sujeito na interação com os objetos da realidade. Dessa forma, o que
a criança aprende não corresponde ao que lhe é ensinado, pois existe um espaço
aberto de elaboração do sujeito. O educador deve estar atento a esses processos
para promover, adequadamente, a aprendizagem (BOCK et al, 2000).
Emília Ferreiro trouxe, assim, grande
contribuição ao processo de alfabetização, indicando a necessidade de conhecer
o processo de aprendizagem em todas as suas formas evolutivas. Para Bock et al
(2000), ela despatologizou os erros
comuns entre as crianças; valorizou a participação delas no processo de
ensino-aprendizagem; apropriou-se das atividades infantis como formas de
ensino; ou seja, revolucionou a forma de se conceber e trabalhar na
alfabetização de crianças.
[...] Os neopiagetianos tomam aspectos da teoria de
Piaget e misturam-nos para formar novas teorias de sua própria lavra. Como
Piaget, a maioria desses teóricos concorda que: (a) as crianças constroem
ativamente suas representações cognitivas, por intermédio de interações com seu
ambiente, e (b) elas baseiam-se as habilidades sensório-motoras e em
representações mentais concretas e relativamente simples, para construírem
capacidades cognitivas de nível relativamente alto, abstratas e complexas. Por outro lado, os neopiagetianos vão
mais longe do que Piaget ao reconheceram a importância de outros modos de
pensar além do raciocínio lógico-matemático, das influências ambientais no
desenvolvimento cognitivo, das inconstâncias entre tarefas e mesmo entre os
domínios das tarefas, das distinções entre desempenho típico e da competência
ótima dentro de um dado nível ou estágio de desenvolvimento e das diferenças
individuais ao expressarem a realização dentro de um determinado estágio. A
maioria daqueles que o seguem também usa novas metodologias para completar as
tarefas, as observações e as interpretações de Piaget [...] (STERNBERG, 2000,
p.384, grifo nosso).
Piaget, segundo Bock et al (2001), buscou
explicar o aparecimento de inovações, mudanças e transformações no percurso do
desenvolvimento intelectual, e por tais atributos, sua teoria é
classificada como construtivista. Para ele, o homem, dotado de estruturas
biológicas, herda uma forma de funcionamento intelectual, ou seja, uma maneira
de interagir com o ambiente que o leva à construção de um conjunto de
significados.
Como já dito anteriormente, o
desenvolvimento intelectual é o resultado da construção de um equilíbrio
progressivo entre assimilação e acomodação, o que propicia o aparecimento de novas
estruturas mentais.
Piaget procura esclarecer quais as relações entre a
vida enquanto fenômeno biológico e o ato de conhecimento. É com base nesta
relação que ele irá elaborar seu plano de trabalho que consistirá em mais de 80
livros e algumas centenas de artigos distribuídos em quase 8 décadas de
trabalho. Piaget parte de uma formação marcada pela história natural, de um
lado e pela filosofia imanentista de Bergson, de outro. Passa pela lógica e
pela filosofia histórica de Brunschvicg para, então, encontrar-se na
psicologia. Ali, através das instituições às quais pertenceu ou esteve à
frente, foi construindo seu projeto de ciência: a epistemologia genética, a
teoria epistemológica que, através da análise da gênese do conhecimento, mostra
que este é o resultado da complexa interlocução entre o sujeito de
conhecimento, com suas características e esquemas individuais e o meio. O
conhecimento se dá na e pela interação entre os dois pólos (Silva,
2007, p. 60, grifo nosso).
[1] In Wallon, Henri, Psychologie et dialectique. Paris, Messidor/Ed. Sociales, 1990, p.
142-7 (Coletânea organizada por Émile Jalley e Liliane Maury). Traduzido por
Maria Ermantina Galvão Gomes Pereira.
[2] In Wallon, Henri, Psychologie et
dialectique. Paris, Messidor/Ed. Sociales, 1990, p. 142-7 (Coletânea organizada
por Émile Jalley e Liliane Maury). Traduzido por Maria Ermantina Galvão Gomes
Pereira.
[4] Estudo das origens e desenvolvimento de um organismo desde o embrião (ovo
fertilizado), dos
diferentes estágios até sua plena forma desenvolvida. A ontogenia é estudada em
biologia do
desenvolvimento. Em termos gerais, ontogenia é definida como
a história das mudanças estruturais de uma determinada unidade, que pode ser
uma célula, um organismo ou uma sociedade de organismos, sem que haja perda da
organização que permite aquela unidade existir