domingo, 11 de agosto de 2013

EDUCAÇÃO: ABORDAGEM DESENVOLVIMENTISTA DA INTELIGÊNCIA



De acordo com Lemos (2007, apud LOURENÇO, 2000; SMITH, 2002), se, por um lado, os psicométricos concebem a inteligência mais em termos quantitativos e de conteúdo, avaliando-a nos testes psicométricos e traduzindo-a em três tipos de medidas: (i) QI; (ii) factor g;  (iii) e aptidões, por outro lado, os desenvolvimentistas consideram a inteligência mais em termos qualitativos e de estrutura, pelo que recorrem, por exemplo, a provas de desenvolvimento, que indicam o nível de maturidade intelectual do sujeito. Mais do que avaliar, compreender. Mais do que quantificar, interpretar. Mais do que diferenciar os indivíduos entre si, analisá-los individualmente. Estas são as linhas com que se tece a abordagem desenvolvimentista, donde sobressai a Teoria Genética-Epistemológica de Piaget, ainda hoje considerada a grande teoria do desenvolvimento cognitivo.

Entretanto, além de Piaget (1896-1980), não se pode deixar de considerar outros dois pensadores muito importantes entre os desenvolvimentistas, porquanto, serão abordados aqui: Wallon (1879-1962, com a Teoria da Psicogênese da Pessoa Completa, e Vygotsky (1896-1934) com a Teoria Histórico-cultural.

Se houvesse que definir a especificidade da teoria de Vygotsky por uma série de palavras e de fórmulas chave, seria necessário mencionar, pelo menos, as seguintes: sociabilidade do homem, interação social, signo e instrumento, cultura, história, funções mentais superiores. E se houvesse que reunir essas palavras e essas fórmulas em uma única expressão, poder-se-ia dizer que a teoria de Vygotsky é uma “teoria sócio-histórico-cultural do desenvolvimento das funções mentais superiores”, ainda que ela seja chamada mais frequentemente de “teoria histórico-cultural”. Para Vygotsky, o ser humano se caracteriza por uma sociabilidade primária. A mesma ideia foi expressa por Henri Wallon, de um modo mais categórico: ele [o indivíduo] é geneticamente social. (IVIC, 2010, p. 15 apud WALLON, 1959).

Muito embora, Wallon continue desconhecido para muitos pesquisadores nos dias atuais, aparecendo esporadicamente em suas bibliografias científicas, na opinião de grandes especialistas que lhe renderam grandes homenagens, entre eles, psiquiatras, psicólogos e pedagogos, e mesmo sociólogos e linguistas, ele se destacou pelo empenho na busca para conhecer melhor a criança, suas condições de desenvolvimento físico e psicológico, e por se preocupar com as exigências de sua educação.

Reconhecida no Brasil como uma das teorias psicogenéticas, uma vez que procura compreender a gênese e a evolução do funcionamento psicológico humano ao lado das de Piaget e Vigotsky, nos últimos 30 anos, observa-se um crescente interesse no campo educacional pelas contribuições desse filósofo, médico e psicólogo francês que, entre outras coisas, em seu país, foi responsável pela elaboração de um meticuloso projeto político educacional   [  ] a leitura de Wallon permite perceber que ele marca sua posição apontando os limites de outras abordagens que enfocam o complexo processo de desenvolvimento humano desde um aspecto ou dimensão, deixando de enfatizar ou reconhecer a devida importância de outros, para ele igualmente relevantes. Critica, por exemplo, a restrição das abordagens psicométricas que, por meio de testes, buscam mensurar, quantificar e avaliar a inteligência infantil [   ]. Para ele, a complexidade da formação e desenvolvimento da inteligência não pode ser apreendida pelos instrumentos, que têm alcance reduzido[...](HÉLÈNE, 2010, p. 32 apud LA TAYLLE, et al., 1992).

Teoria da Psicogênese da Pessoa Completa de Henri Wallon

Nascido em Paris, Wallon (1879-1962), médico e psicólogo, realizou grande parte de sua obra, a partir de mais de duzentas observações relacionadas a crianças doentes; casos de retardo; epilepsia; e anomalias motoras em geral, e, após aprofundamento dos estudos com experiências, em sua clínica, com adultos traumatizados, concluiu e publicou a tese L'enfant turbulent..

É em todas as suas etapas e em todas as suas manifestações que é preciso estudar as crianças porque seu conhecimento exige a colaboração de todos aqueles que tenham contato com elas ou da necessidade de definir as condições e exigências da observação: é a observação que permite apontar problemas, mas são os problemas colocados que tornam a observação possível (HÉLÈNE, 2010 apud WALLON, H, 1973. p. 198-199).

O Estudo, de cunho Psicogenético, descreve as etapas do desenvolvimento psicomotor. Ou seja: os estágios impulsivo, emocional, sensório-motor, projetivo e síndromes psicomotoras, tendo como ponto de partida o patológico.

Wallon concebe que o ser humano é organicamente social, isto é, sua estrutura orgânica supõe a intervenção da cultura para se atualizar. E sua teoria psicogenética do desenvolvimento da personalidade integra a afetividade e a inteligência, e destaca que isto ocorre de forma dinâmica entre rupturas e sobreposições, através do mecanismo de alternâncias funcionais, esclarecendo que as mudanças de fases não se dão por sucessão linear, como compreende Piaget. Em sua concepção metodológica à psicologia convém um tratamento genético; neurofuncional; multidimensional; comparativo, e as funções devem ser estudadas de forma evolutiva e involutivamente, partindo das suas bases neurológicas.

Para Hélène (2010), ele é responsável pela elaboração de um modelo heurístico que procura compreender as diversas dimensões da expressão humana que, por estarem vinculadas e por serem indissociáveis, promovem o desenvolvimento humano. Destaca-se por demonstrar que aspectos como a afetividade e atividade motoras, via de regra, desprezadas na análise desse tema, têm importância decisiva no complexo interjogo funcional responsável pelo desenvolvimento da criança.

Os extremos entre motor e mental, ao longo do processo de fortalecimento deste último, por ocasião da aquisição crescente do domínio dos signos culturais, a motricidade em sua dimensão cinética tende a se reduzir, a se virtualizar em ato mental. A sensório-motricidade incontinente do segundo ano de vida tende, lentamente, a diminuir, dando lugar a períodos cada vez maiores de imobilidade possível; este enfraquecimento da função cinética e proporcional ao fortalecimento do processo ideativo. Assim o ato mental, que se desenvolve a partir do ato motor, passa em seguida a inibi-lo, sem deixar de ser atividade corpórea. (LA TAILLE et al, 1992).

Em sua teoria, despreza os experimentos psicométricos, entendendo que a complexidade da formação e do desenvolvimento da inteligência não pode ser apreendida pelo alcance reduzido de instrumentos.

A psicologia genética estuda as origens, isto é, a gênese dos processos psíquicos. Partindo do mais simples, do que vem antes na cronologia de transformações por que passa o sujeito, a análise genética é, para Wallon, o único procedimento que não dissolve em elementos estanques e abstratos a totalidade da vida psíquica. Constitui-se, assim, no método de uma psicologia geral, concebida como conhecimento do adulto através da criança. Recusando-se a selecionar um único aspecto do ser humano e isolá-lo do conjunto, Wallon propõe o estudo integrado do desenvolvimento, ou seja, que este abarque os vários campos funcionais nos quais se distribui a atividade infantil - afetividade, motricidade, inteligência. Vendo o desenvolvimento do homem, ser geneticamente social, como processo em estreita dependência das condições concretas em que ocorre, propõe o estudo da criança contextualizada, isto é, nas suas relações com o meio. Pode-se definir o projeto teórico de Wallon como a elaboração de uma psicogênese da pessoa completa (GALVÃO, 1995).

Conceitua as abordagens freudianas e piagetiana como parciais, por priorizarem determinado enfoque do desenvolvimento em detrimento de outros, como a ênfase nas vivências dos anos iniciais, em Freud, e a pouca consideração às condições sociais em Piaget. Ainda com referência ao pensamento piagetiano, recusa a ideia de um avanço gradual das estruturas mentais, entendendo que o desenvolvimento acontece em mais de um plano, simultaneamente, de sistema em sistema, por superposição de planos. Também questiona a visão linear que normalmente é conferida ao desenvolvimento, como se fosse um sucessivo alargar de possibilidades e recursos internos. Wallon demonstra que, muito diferentemente disso, o desenvolvimento humano é marcado por avanços, recuos e contradições e, para melhor compreendê-lo, é preciso abandonar concepções lineares de análise e interpretação (HÉLÈNE, 2010).

Para ele o desenvolvimento é sucedido pela incorporação das fases anteriores, e, de forma dinâmica, é ampliado por novas condições. Neste sentido, a criança atravessa diferentes etapas que vão desde momentos de grande interiorização, a momentos mais direcionados para o exterior, no que se pode classificar nos seguintes estágios do desenvolvimento infantil:
 
Desenvolvimento Infantil na Visão de Henri Wallon
1º. Estágio
Impulsivo: 0 – 3 meses
Emocional: 3 meses a 1 ano

O primeiro ano de vida da criança é predominantemente afetivo e é por meio da afetividade que a criança estabelece suas primeiras relações sociais e com o ambiente. Os movimentos do bebê, de início, são caóticos, mas as relações que estabelece, gradualmente permitem que a criança passe da desordem gestual às emoções diferenciadas.
2º. Estágio
Sensório-motor: 12 -18 meses
Projetivo: 3 anos
Esse estágio se estende até por volta dos 3 anos de idade e
tem predomínio das relações exteriores e da inteligência. Esta é eminentemente prática e, uma vez que os campos funcionais são indissociáveis, o pensamento via de regra se projeta em atos motores. Nesse período, destacam-se os aspectos discursivos que, por meio da imitação favorece a aquisição da linguagem
3º. Estágio
Personalismo: 3-6 anos
Crise de Oposição: 3-4 anos
Idade da graça: 4-5 anos
Imitação: 5-6 anos
Refletindo a característica pendular do desenvolvimento, nesse estágio há predomínio da afetividade. Estendendo-se até aos seis anos de idade, nesse período, forma-se a personalidade e autoconsciência do indivíduo, muitas vezes refletindo-se em oposições da criança em relação ao adulto e, ao mesmo tempo, com imitações motoras e de posturas sociais.
4º. Estágio
Categorial: 6-11 anos
Mais uma vez predominando a inteligência e a exterioridade, no estágio categorial, que se estende até por volta dos onze anos de idade, a criança passa a pensar conceitualmente, avançando para o pensamento abstrato e raciocínio simbólico, favorecendo funções como a memória voluntária, a atenção e o raciocínio associativo.
5º. Estágio
Adolescência: a partir dos 11 anos
As transformações físicas e psicológicas da adolescência acentuam o caráter afetivo desse estágio. Conflitos internos e externos fazem o indivíduo voltar-se a si mesmo, para auto afirmar-se e poder lidar com as transformações de sua sexualidade.
Tabela – Estágios do Desenvolvimento Infantil de Wallon
Fonte: Adaptado de Hélène (2010)

Para Wallon (1990, p.147)[1], nenhuma dessas etapas jamais é completamente superada e, em certas afeições, assiste-se à ressurgência de estágios mais antigos. De etapas em etapas, o desenvolvimento psíquico da criança mostra, através das diversidades e das oposições das crises que o pontuam, uma espécie de unidade solidária, tanto no interior de cada fase como entre todas elas. É contra a natureza tratar a criança fragmentariamente. Em cada idade ela constitui um conjunto indissociável e original. Na sucessão de suas idades, ela é um único e mesmo ser em metamorfose. Por ser feita de contraste e de conflitos, sua unidade será ainda mais suscetível de ampliamento e de enriquecimento.

E mais, pensado dialeticamente, alterna momentos de maior introspecção e de maior extroversão. Ou seja, dependendo das condições do estágio, os processos estarão voltados para o interior ou para o exterior. As etapas centrípetas ou interiores, presentes nos estágios do emocional, do personalismo e da adolescência são preponderantemente afetivas e voltadas para a assimilação, a elaboração íntima, a edificação do sujeito e de sua relação com o outro.

Por outro lado, as etapas externas ou centrífugas, caracterizadas nos estágios do impulsivo, do sensório-motor e do categorial são predominantemente intelectuais e voltadas para a diferenciação; o gesto; a reação ao meio; e ao estabelecimento de relações com o objeto externo.

Wallon vê o desenvolvimento da pessoa como uma construção progressiva em que se sucedem fases com predominância alternadamente afetiva e cognitiva. Cada fase tem um colorido próprio, uma unidade solidária, que é dada pelo predomínio de um tipo de atividade. As atividades predominantes correspondem aos recursos que a criança dispõe, no momento, para interagir com o ambiente. Para uma compreensão mais concreta desta ideia, passemos a uma descrição das características centrais de cada um dos cinco estágios propostos pela psicogenética walloniana (GALVÃO, 1995).

Importante dizer que para Wallon o desenvolvimento não se encerra no estágio da adolescência, mas permanece em processo dinâmico ao longo de toda a vida do indivíduo. Afetividade e Cognição estarão, dialeticamente, sempre em movimento, alternando-se nas diferentes aprendizagens que o indivíduo incorporará ao longo de sua vida.

Neste sentido, faz críticas contumazes à Psicologia da Introspecção que, baseada numa concepção Idealista, vê o psiquismo como entidade incondicionada, completamente independente do mundo material, e ainda estabelece que a introspecção, ou seja, a reflexão sobre suas sensações e imagens mentais, é o único instrumento que o sujeito tem de acesso á vida psíquica. Aspecto que reduz o psiquismo exclusivamente à vida interior. E mais ainda, introspecção coloca a consciência como único meio de explicação entre a psicologia e a realidade psíquica.

Para Galvão (1995, apud WALLON, 1975) o estudo da realidade movediça e contraditória que é o homem e seu psiquismo, beneficia-se, enormemente, do recurso ao materialismo dialético, perspectiva filosófica especialmente capaz de captar a realidade em suas permanentes mudanças e transformações. Decalcado do real, aceita toda a sua diversidade, todas as contradições, convencido de que elas devem se resolver e que até são elementos de explicação, pois que o real é o que é, não obstante ou mais precisamente por causa delas.

Pensando assim, Wallon adota o materialismo dialético como método de análise e fundamento epistemológico de sua teoria psicológica, o que se traduz em uma psicologia dialética.

Porquanto, e ainda sobre os estágios de desenvolvimento de Wallon, Galvão (1995) comenta que os fatores orgânicos são os responsáveis pela sequência fixa que se verifica entre os estágios do desenvolvimento, mas não garantem uma homogeneidade no seu tempo de duração. Podem ter seus efeitos amplamente transformados pelas circunstâncias dos fatores sociais nas quais se insere cada existência individual e mesmo por deliberações voluntárias do sujeito. Por isso a duração de cada estágio e as idades a que correspondem são referências relativas e variáveis, em dependência de características individuais e das condições de existência.

E ainda reforça que mais determinante no início, o fator biológico ou orgânico vai, progressivamente, cedendo espaço ao social. Presente desde a aquisição de habilidades motoras básicas, como a preensão e a marcha, a influência do meio social torna-se muito mais decisiva na aquisição de condutas psicológicas superiores, como a inteligência simbólica. É a cultura e a linguagem que fornecem ao pensamento os instrumentos para sua evolução. O simples amadurecimento do sistema nervoso não garante o desenvolvimento de habilidades intelectuais mais complexas. Para que se desenvolvam, precisam interagir com "alimento cultural", isto é, linguagem e conhecimento. Assim, não é possível definir um limite terminal para o desenvolvimento da inteligência, nem tampouco da pessoa, pois dependem das condições oferecidas pelo meio e do grau de apropriação que o sujeito fizer delas. As funções psíquicas podem prosseguir num permanente processo de especialização e sofisticação, mesmo que do ponto de vista estritamente orgânico já tenham atingido a maturação (GALVÃO, 1995).

Com relação à Pedagogia, Wallon se entusiasmou pelo contexto da Escola, o qual considerava como o mais apropriado para a investigação psicogenética. Para ele, a Pedagogia anima as atividades da Psicologia Genética, sobretudo como campo de observação, aplicação e controle.    

Por outro lado, a Psicogênese é importante instrumento para o aprimoramento da Educação, na medida em que possibilita a adequação dos objetivos e métodos educacionais às possibilidades e necessidades infantis. A investigação não é desta forma, privilégio da Psicologia; na prática experimental, Psicologia e Pedagogia serve de instrumento uma a outra. Dependendo do objetivo que se tem em vista, a Psicologia pode ser instrumento para a pesquisa pedagógica, assim como a Educação pode ser campo e pretexto para a investigação psicológica (GALVÃO, 1995)

Atender a um só tempo à formação do indivíduo e à construção da sociedade é à base da psicologia walloniana, ou seja, a interação da ação do ser vivo com o meio social, considerando que o meio social supera o meio físico e biológico, o que define a Teoria de Wallon como geneticamente social.

Do ponto de vista social, a criança se liberta das constelações puramente afetivas, é com vistas a tarefas determinadas que se agrupe com colegas, escolhendo, por exemplo, uns colegas para tal jogo, outros para o trabalho. Entre companheiros, as conversas se reduzem a discussões sobre as aventuras comuns. Daí resulta uma diversidade e uma reversibilidade de relações de cada um com cada um, da qual cada um tira a noção de sua própria diversidade conforme as circunstâncias, mas também de sua unidade fundamental através da diversidade das situações. A época da puberdade parece pôr em xeque essa objetividade conquistada. Sem estendermo-nos longamente sobre essa crise essencial, podemos dizer que, no plano afetivo, o Eu volta a adquirir uma importância considerável; e, no plano intelectual, a criança supera o mundo das coisas, para atingir o mundo das leis (WALLON, 1990 p.142)[2].

A dinâmica das trocas e confrontos da criança com seu meio social é que vai tirar-lhe da indiferença e lançar-lhe ao desenvolvimento, e, consequentemente, torná-la mais instrumentalizada e autônoma para a sobrevivência.

A Educação deve atender às necessidades imediatas de cada etapa do desenvolvimento infantil, assegurando a plena realização das disposições e aptidões atuais, ao mesmo tempo em que prepara a etapa seguinte, nutrindo na criança o desenvolvimento das atitudes e funções que estão por vir e que, de alguma forma, já se manifestam em sua atividade presente (GALVÃO, 1995).

Entende Wallon que a criança deve ser tratada como um todo, e não apenas aos aspectos da inteligência, integrando a expressividade; a emoção; a gestualidade; o movimento; a representação mental e o pensamento discursivo, assim, o professor terá um melhor entendimento e atendera a criança em suas diversas necessidades, impulsionando o seu desenvolvimento e favorecendo a sua aprendizagem.

Quanto ao professor, não se deve colocar como exclusivo detentor do saber e único responsável pela sua transmissão, mas tampouco abdicar deste papel, submetendo-se indiscriminadamente à espontaneidade infantil. Respeitar a criança não significa poupá-la das intervenções externas, como se seu desenvolvimento se desse por fontes exclusivamente endógenas. Ao contrário, a intervenção do professor é um fator fundamental para o processo de desenvolvimento e aprendizagem, que depende da incorporação do patrimônio cultural adulto, isto é, de conteúdo (GALVÃO, 1995).

São grandes as contribuições de Wallon para a educação, quer pelo lado de suas ideias propriamente ditas pedagógicas, ou mesmo quando subtraindo da leitura da teoria as implicações de sua psicologia genética.

Todavia, para Galvão (1995), se sua psicologia genética for utilizada como instrumento a serviço da reflexão pedagógica, oferece recursos para a construção de uma prática mais adequada às necessidades e possibilidades de cada etapa do desenvolvimento infantil. A abrangência de seu objeto de estudo sugere que a educação deve ter por meta não somente o desenvolvimento intelectual, mas a pessoa como um todo. Destacando o papel do meio social no desenvolvimento infantil, concebe a escola como meio promotor de desenvolvimento.

Wallon faz um percurso via filosofia e medicina para culminar na psicologia, onde efetuará seu projeto: a produção de uma psicologia que visa “o estudo concreto de uma realidade concreta”, ou seja, de uma realidade situada na história e no contexto social imediato. Em nosso entender, toda sua produção terá em comum este vetor: a construção de uma psicologia. Quando Wallon escreve sobre a emoção e seu lugar no desenvolvimento infantil ele visa à produção desta psicologia geral. Igualmente, quando adentra em temas como a consciência, os estágios do desenvolvimento, o papel do movimento, a imitação e a representação, busca a produção desta sua tentativa de explicação geral do homem (SILVA, 2007, p.48-49, apud WALLON, 1938, grifo nosso).

Teoria Histórico-Cultural de Vygotsky

Nasce em 17 de novembro de 1896, na Bielorrússia, Lev Semionovich Vygotsky. Estudou direito, filosofia e história em Moscou, tendo falecido em 1934. A primeira obra de Vygotsky, que o conduziu definitivamente para a psicologia, foi a Psicologia da Arte. Nascido no mesmo ano em que Piaget nasceu, e é interessante registrar que, sem formação psicológica, tornou-se também autor de uma teoria do desenvolvimento mental. Enquanto Piaget trabalhou com as ciências biológicas.

Esta distinção de inspiração talvez explique a diferença de dois paradigmas importantes na psicologia do desenvolvimento: o de Piaget, que acentua os aspectos estruturais e as leis essencialmente universais de origem biológica do desenvolvimento, enquanto o de Vygotsky insiste nos aportes da cultura, na interação social, e na dimensão histórica do desenvolvimento mental. (IVIC, 2010).

Em 1924, Vigotsky se instala em Moscou, e, cercado por um grupo de colaboradores, cria e desenvolve a teoria histórico-cultural dos fenômenos psicológicos. Morreu com 38 anos de idade, dentre os quais dedicou uma dezena de anos a seu trabalho científico, e não pôde ver a publicação de suas obras mais importantes. E a despeito do pouco tempo, desenvolveu uma das teorias mais promissoras, sendo reconhecido, após mais de meio século da sua morte, um autor de vanguarda.

Segundo Ivic (2010), no sistema psicológico vygotskyano, encontra-se uma teoria do desenvolvimento mental ontogenético, ou teoria histórica do desenvolvimento individual. Trata-se, portanto, de uma concepção genética de um fenômeno genético, em que é possível tirar, sem dúvida, um ensinamento epistemológico. De fato, as épocas históricas de mudanças revolucionárias parecem refinar a sensibilidade do pensamento humano e a predispô-lo a tudo que diz respeito à gênese, à transformação, à dinâmica, ao devir e à evolução.

A teoria de Vygotsky é envolvida por aspectos relacionados à sociabilidade do homem, ou seja: a interação social; o signo e instrumento; a cultura; a história e as funções mentais superiores.

Se houvesse que reunir a sociabilidade do homem, a interação social, o signo e instrumento, a cultura, a história e as funções mentais superiores em uma única expressão, poder-se-ia dizer que sua teoria é uma teoria sócio-histórico-cultural do desenvolvimento das funções mentais superiores, ainda que ela seja chamada mais frequentemente de teoria histórico-cultural. (IVIC2010).

Em sua teoria, Vygotsky pontua que o ser humano se caracteriza por uma sociabilidade primária. Com o mesmo entendimento, Henri Wallon foi mais categórico ainda e conceituou assim: o indivíduo é geneticamente social.

Para ambos, tudo que se relaciona ao comportamento da criança está vinculado ao social. O desenvolvimento da criança, mais precisamente na primeira infância, os fatores são as interações com os adultos, portadores de todas as mensagens da cultura.

O ponto essencial da concepção vygotskyana é a interação social, que desempenha um papel construtivo no desenvolvimento. Isto significa, simplesmente, que certas categorias de funções mentais superiores, atenção voluntária, memória lógica, pensamento verbal e conceptual, emoções complexas, etc. não poderiam emergir e se constituir no processo de desenvolvimento sem o aporte construtivo das interações sociais (IVIC, 2010).

Este fundamento da teoria de Vigotsky transforma fenômenos interpsíquicos em fenômenos intrapsíquicos. Em outras palavras, O desenvolvimento das funções mentais é influenciado pelos instrumentos do comportamento social.

A mais importante e a mais fundamental das leis que explicam a gênese, e para a qual nos conduz o estudo das funções mentais superiores, poderia ser expressa assim: cada exemplo de conduta semiótica[3] da criança era, anteriormente, uma forma de colaboração social e é por isso que o comportamento semiótico, mesmo nos estágios mais avançados do desenvolvimento, permanece como um modo de funcionamento social. A história do desenvolvimento das funções mentais aparece, pois, como a história do processo de transformação dos instrumentos do comportamento social em instrumentos de organização psicológica individual (IVIC, 2010 apud Vygotsky, 1982-1984, v. VI, p. 56).

Os estudos de Vygotsky trabalham as relações entre o pensamento e a linguagem no processo da ontogênese.[4] Atualmente, existe o entendimento de que a capacidade de aquisição da linguagem pela criança é fortemente determinada pela hereditariedade. Neste caso, para Vygotsky, a hereditariedade não é uma condição suficiente, mas necessária, sendo na aprendizagem apenas um processo de construção compartilhada na interação entre a criança e o adulto. A linguagem, na qualidade de instrumento das relações sociais, se transforma em instrumento de organização psíquica interior da criança.

Neste ponto, encontra-se uma solução original para o problema da relação entre o desenvolvimento e a aprendizagem, ou seja:

Mesmo quando se trata de uma função que é fortemente determinada pela hereditariedade, como é o caso da linguagem, a contribuição do contexto social da aprendizagem é, da mesma forma, construtivo e não se reduz, nem somente ao papel de ativador, como no caso do instinto, nem somente ao papel de estimulação do desenvolvimento, que não faz senão acelerar ou tornar mais lentas as formas de comportamento que aparecem sem esse aporte. A contribuição da aprendizagem deve-se ao fato de que ela coloca à disposição do indivíduo um instrumento poderoso: a língua (IVIC, 2010).

Para Vigotsky, este instrumento se torna parte integrante das estruturas psíquicas do indivíduo, e, no processo de aprendizagem, a linguagem interage com outras funções mentais, no caso o pensamento, nascendo desse encontro, o pensamento verbal. Esta é, portanto, uma tese ainda passível de assimilação na psicologia contemporânea, ou seja:

O essencial no desenvolvimento não está no progresso de cada função tomada isoladamente, mas na mudança de relações entre diferentes funções, tais como a memória lógica, o pensamento verbal, etc.; dito de outra maneira, o desenvolvimento consiste em formar funções compostas, sistemas de funções, funções sistêmicas, sistemas funcionais (IVIC, 2010).

No caso da aquisição da linguagem, em Vigotsky, define-se o primeiro modelo de desenvolvimento, assim tem-se que: em um processo natural de desenvolvimento, a aprendizagem aparece como um meio de reforçar esse processo natural, pondo à sua disposição os instrumentos criados pela cultura que ampliam as possibilidades naturais do indivíduo e reestruturam suas funções mentais.

O papel dos adultos, como representantes da cultura no processo de aquisição da linguagem pela criança e de apropriação por ela de uma parte da cultura - a língua -, conduz à descrição de um novo tipo de interação que é de importância capital na teoria de Vygotsky. De fato, além da interação social nesta teoria, há também uma interação com os produtos da cultura. É desnecessário dizer que não se pode separar ou distinguir claramente estes dois tipos de interação, que se manifestam, muitas vezes, sob a forma de interação sociocultural (IVIC, 1995, p. 19).

Sobre o papel da cultura no desenvolvimento individual, duas ideias parecidas são desenvolvidas por Vigotsky: (i) do ponto de vista psicológico, o indivíduo tem seus prolongamentos, de uma parte, nos outros, e de outra, nas suas obras e na sua cultura, assim, o desenvolvimento humano não se reduz somente às mudanças no interior do indivíduo, mas se traduz, também, como um desenvolvimento que poderia adotar (ii) duas formas diferentes: (a) produção de auxiliares externos enquanto tais e (b) criação de instrumentos exteriores que podem ser utilizados para a produção de mudanças internas ou psicológicas.

Assim, tirando os instrumentos desenvolvidos pelo homem, e que servem para dominar os objetos, há ainda aqueles instrumentos que podem ser utilizados para controlar, coordenar e desenvolver suas próprias capacidades.

Por outro lado, a contribuição da educação organizada e sistemática torna-se tão importante quanto à aquisição da linguagem oral, onde a aprendizagem tem papel construtor, mas não exige a presença de adultos que dominem a língua, a não ser como parceiros nas atividades comuns. Com a educação, chega-se a um modelo de desenvolvimento que Vygotsky chamou de desenvolvimento artificial:

A educação pode ser definida como sendo o desenvolvimento artificial da criança. [...] A educação não se limita somente ao fato de influenciar o processo de desenvolvimento, mas ela reestrutura de maneira fundamental todas as funções do comportamento (IVIC, 2010 apud Vygotsky, 1982-1984, v. I, p. 107).

Neste caso, a educação torna-se o desenvolvimento, enquanto no primeiro modelo ela é apenas um meio de reforçar o processo natural de desenvolvimento, que tem como natureza. os instrumentos culturais e o grau de determinação hereditária das funções, etc. Caso se leve em consideração a multiplicidade e a variedade de instrumentos e de técnicas culturais, que se pode ou não adquirir nas diferentes culturas ou nas diferentes épocas históricas, pode-se elencar as diferenças interculturais, ou históricas, no desenvolvimento cognitivo tanto dos grupos, como dos indivíduos. Neste ponto, Vigotsky tece severas críticas aos testes de medição da inteligência.

À luz dessa concepção do desenvolvimento da inteligência humana, parece paradoxal falar de testes de inteligência sem cultura, que se tornam, nas palavras de Bruner, testes sem inteligência, ou pensar que o único conceito científico possível da inteligência é aquele que a reduz a indicadores, como os tempos de reação, o potencial elétrico suscitado, etc. (IVIC, 2010, p.24, grifo nosso).

O modelo de desenvolvimento artificial, cujo exemplo característico é o processo de aquisição dos sistemas de conceitos, levou Vygotsky à descoberta da dimensão metacognitiva do desenvolvimento. A forma de adquirir esses conhecimentos através da transmissão generalizada de um conceito para outro, facilita a tomada de consciência e o controle, pelo indivíduo, de seus próprios processos cognitivos.

A auto regulação voluntária é um processo que pode ser facilitado pelo tipo de aprendizagem, como exemplo: aprendizagem verbal, explicação de todos os passos intelectuais, exteriorização da anatomia do processo de construção de conceitos, construção de conceitos em comum, monitoramento do processo de aprendizagem pelo adulto expert, etc. (IVIC, 2010)

Assim, a essência dos processos metacognitivos está em o indivíduo conhecer e controlar melhor seus próprios processos de conhecimento. Desta forma, a obra de Vygotsky constitui a fonte histórica e teórica mais importante para a conceituação e o estudo empírico dos processos metacognitivos.

Vygotsky não considerou estes processos como puras técnicas práticas de autocontrole ou como um problema isolado, mas fez sua integração a teoria geral do desenvolvimento das funções mentais superiores, onde esses processos aparecem como uma etapa necessária, em condições bem definidas. Por isso, eles têm importante papel na reestruturação da cognição em geral.

Sua função, nesta reestruturação, ilustra da maneira mais nítida a concepção vygotskyana do desenvolvimento como processo de transformação das relações entre funções mentais particulares. Nesse sentido, por exemplo, mesmo o termo “metamemória” é impróprio, pois não se trata da intervenção das técnicas de memorização nas atividades relativas à memória, mas da intervenção de processos de pensamento tornados conscientes e voluntários. Trata-se, simplesmente, de novas relações entre duas funções distintas (IVIC, 2010).

Nas palavras de Ivic (2010), a teoria de Vygotsky parecer ser a única que oferece a possibilidade de se conceituar, cientificamente, os processos metacognitivos, permitindo estabelecer um vínculo entre o desenvolvimento cognitivo e o desenvolvimento geral, além de compreender a origem da capacidade do ser humano de controlar os seus próprios processos interiores, a partir da passagem do controle exterior e interindividual para o controle intrapsíquico individual.

O quadro abaixo apresenta uma síntese das explorações possíveis da Teoria de Vygotsky sobre o desenvolvimento mental na pesquisa e na prática pedagógicas.

Teoria do Desenvolvimento Mental na Pesquisa e na Pratica Pedagógica de Vigotsky
01
A educação não tem nada de externo ao desenvolvimento: A escola é o lugar mesmo da psicologia, porque é o lugar das aprendizagens e da gênese das funções psíquicas.
02
Graças à teoria de Vygotsky, direta ou indiretamente, todo um conjunto de problemas novos relativos à pesquisa empírica e de importância capital para a educação foi introduzido na psicologia contemporânea. As pesquisas sobre a sociabilidade precoce da criança, campo da pesquisa em pleno desenvolvimento, contribuíram para uma melhor compreensão da primeira infância.
03
A teoria de Vygotsky é, histórica e cientificamente, a única fonte significativa de pesquisa sobre os processos metacognitivos na psicologia contemporânea. O papel desses processos na educação e no desenvolvimento é de uma importância que não se pode subestimar.
04
Uma matriz de análise e uma gama de instrumentos de pesquisa e de diagnóstico podem ser facilmente desenvolvidas a partir das teses de Vygotsky sobre o “desenvolvimento artificial”, isto é, sobre o desenvolvimento sociocultural das funções cognitivas. É suficiente, para começar, inventariar os auxiliares externos, os instrumentos e as técnicas interiores de que dispõem os indivíduos e os grupos sociais e culturais, para elaborar os parâmetros pelos quais os indivíduos e os grupos podem ser comparados entre si. É claro que tais instrumentos, desenvolvidos em um quadro teórico dessa natureza, eliminarão os perigos das interpretações racistas e chauvinistas.
05
A partir dos dois modelos (Natural e artificial), toda uma gama de formas de aprendizagem foram conceitualizadas a partir das ideias de Vygotsky ou de ideias próximas às dele. Essas formas compreendem, entre outras, a aprendizagem cooperativa, a aprendizagem guiada, a aprendizagem fundada no conflito sociocognitivo, a construção de conhecimentos em comum.
06
O surgimento recente das mídias audiovisuais modernas e das tecnologias de informação, suas aplicações no ensino, seu papel, em curto e longo prazos na vida das crianças levantam problemas novos e sérios. Que instrumento será mais pertinente e mais útil para as pesquisas sobre o impacto desses novos instrumentos culturais para o ser humano do que uma teoria como a de Vygotsky, que coloca, precisamente, no centro de suas preocupações, o papel dos instrumentos da cultura no desenvolvimento psicológico, histórico e ontogenético?
Quadro – Aspectos da Teoria de Vigotsky sobre o Desenvolvimento Mental
 Fonte: Dados de IVIC (2010, p. 26-30) e quadro elaborado pelo autor.

Na teoria de Vigotsky, a educação está ligada ao desenvolvimento que ocorre no meio sociocultural real, assim, o problema da relação entre desenvolvimento e aprendizagem é primordialmente teórico. Seu modelo de desenvolvimento artificial se torna possível justamente graças ao ensino escolar, com a aquisição dos sistemas de conceitos científicos como núcleo desse tipo de educação.
                                                                                     
A educação não se resume à aquisição de um conjunto de informações; ela é uma das fontes de desenvolvimento e ela própria se define como o desenvolvimento artificial da criança. O papel essencial da educação é, pois, de assegurar seu desenvolvimento, proporcionando-lhe os instrumentos, as técnicas interiores, as operações intelectuais (IVIC, 2010).

Uma das maiores contribuições para a Educação de Vigotsky é a forma original como entendeu a relação entre o desenvolvimento e a aprendizagem, e a criação do conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal. Sua teoria surgia na direção oposta das concepções vigentes em seu tempo. Os ambientalistas, que por não conseguirem estudar objetivamente a consciência, atribuíam um peso excessivo as determinações do meio no desenvolvimento do indivíduo; e os inatistas, que consideravam a influência do meio como papel secundário.

Para se entender a Zona de Desenvolvimento Proximal - ZDP, o desenvolvimento humano deve ser colocado em dois níveis: (i) o primeiro é o do desenvolvimento real, que é o conjunto de atividades que a criança consegue resolver sozinha, são os ciclos já completados,  refere-se às funções psicológicas que a criança já construiu até determinado momento da vida; (ii) o segundo é do desenvolvimento potencial, que é o conjunto de atividades que a criança não consegue realizar sozinha, mas com a ajuda de alguém que lhe dê orientações adequadas, um adulto ou outra criança mais experiente, ela consegue resolver.

O nível desenvolvimento potencial é muito mais indicativo do desenvolvimento da criança que o nível de desenvolvimento real, pois este último refere-se a ciclos de desenvolvimento já completos, é fato passado, enquanto o nível de desenvolvimento potencial indica o desenvolvimento prospectivamente, refere-se ao futuro da criança. A distância entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial, caracteriza o que Vygotsky denominou de Zona de Desenvolvimento Proximal: a Zona de Desenvolvimento Proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão em processo de maturação, mas que estão, presentemente, em estado embrionário (ZANELLA, 1994).

A constatação de um segundo nível de desenvolvimento e, consequentemente, a postulação de uma Zona de Desenvolvimento Proximal, foi decorrente da percepção de diferenças ao nível de resolução de problemas entre crianças que, aparentemente, apresentavam os mesmo níveis de desenvolvimento real. Aplicando testes de inteligência nessas crianças, Vigotsky constatou uma equiparação ao nível do quociente intelectual, ou seja, ambas conseguiam resolver sozinhas os mesmos problemas. Entretanto, ao interagir com essas crianças, ao propor-lhes exercícios mais complexos, além das suas capacidades de resolução independente, este autor constatou que uma das crianças conseguia, com ajuda, resolver problemas que indicavam uma idade mental superior à da outra que, sob as mesmas orientações, não conseguia solucionar os problemas que a primeira resolvia (ZANELLA, 1994).


Habilidades que o individuo dominou


Habilidades que o individuo está começando a aprender e pode desempenhar com ajuda


ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL


Habilidade que estão fora das aptidões atuais do individuo


Figura: Zona de desenvolvimento Proximal
Fonte: Adaptada da Figura 13.4 de Sternberg (2000)

Aplicada à pedagogia, essa noção permite sair do eterno dilema da educação: é necessário esperar que a criança atinja um nível de desenvolvimento particular para começar a educação escolar, ou é necessário submetê-la a uma determinada educação para que ela atinja tal nível de desenvolvimento?

Ivic (2010) diz que, para Vygotsky, este último é mais produtivo se a criança é exposta a aprendizagens novas, justamente na Zona de Desenvolvimento Proximal. Nessa zona, e em colaboração com o adulto, a criança poderá facilmente adquirir o que não seria capaz de fazer se fosse deixada a si mesma. As modalidades de assistência adulta na zona proximal são múltiplas: demonstrações de métodos que devem ser imitados; exemplos dados à criança, questões que façam apelo à reflexão intelectual; controle de conhecimentos por parte do adulto; mas, também, e em primeiro lugar, colaboração nas atividades partilhadas como fator construtivo do desenvolvimento.

A colocação do conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal em sua teoria abriu a possibilidade de se estudar e se intervir na gênese das funções psicológicas superiores. Isto, porque a ZDP é a região dinâmica que permite a transição do funcionamento interpsicológico para o funcionamento intrapsicológico, como dito por Vigotsky: todas as funções psicológicas superiores resultam da reconstrução interna de uma atividade social partilhada.

Zanella (1994, apud Valsiner, 1991), durante os últimos quinze meses de vida, Vigotsky utilizou o conceito de ZDP em diferentes contextos, mas sempre de forma descritiva, sem referir-se a causas e efeitos. Nesses usos diferenciados é possível, constatar três direções:

ZDP EM CONTEXTOS DIFERENTES
1º. Contexto
O conceito de ZDP enquanto escore que marcava a distância entre a atuação independente do indivíduo e a atuação assistida, com a ajuda de alguém mais experiente.
2º. Contexto
A explicação de ZDP enquanto assentada nas diferenças gerais que aparecem no desenvolvimento da criança quando esta se encontra em contextos assistidos socialmente e contextos individuais, direção esta que, na verdade, é uma generalização da primeira, diferenciando-se dessa por não se tratar de escore.
3º. Contexto
A criação da ZDP através do jogo. Aqui o jogar assume o mesmo status que o processo ensino-aprendizagem na interdependência com o desenvolvimento humano, uma vez que a criança vivencia papéis sociais que se encontram muito além de suas possibilidades.
Quadro  – ZDP aplicada a contextos diferentes
 Fonte: Zanella (1994, apud Valsiner, 1991)

Assim, o conceito de ZDP encaminhado nestas direções, apresenta um fator em comum que é realçado por Vigotsky, ou seja: a imitação. Como instrumento de desenvolvimento, a imitação possibilita o surgimento da Zona de Desenvolvimento Proximal. No instante em que a criança imita alguém, ela está agindo de forma superior às suas condições reais de atuação, fato que remete imediatamente à noção de ZDP.

De acordo com Zanella (1994), Vigotsky, em suas conferências na década de 30, sempre ressaltou a importância de se conceituarem os processos psicológicos futuros na ontogenia humana, visando maximizá-los. E é nesse contexto que o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal assume papel de destaque, principalmente por dois aspectos:

1)      Comprova que, a despeito de diferentes indivíduos apresentarem o mesmo nível de desenvolvimento real, o desenvolvimento posterior dos mesmos pode se diferenciar substancialmente;
2)      Aponta a importância das interações sociais e dos processos da instrução para o desenvolvimento, visto ser neles, e por intermédio, que o funcionamento intrapsicológico é maximizado.

Segundo Fino (2001), em Mind in Society, Vygotsky resumiu a três as concepções sobre a relação entre aprendizagem e desenvolvimento, disponíveis na sua época: (i) que assumia a independência entre ambos os processos, (ii) que defendia que aprendizagem era desenvolvimento, (iii) e que buscava uma superação das anteriores posições extremadas, sugerindo uma terceira via de reconciliação e combinação entre elas.

Diante delas, e por não se reconhecer em nenhuma, foi, para Fino (2001), que Vigotsky se lançou aos estudos que o levaram à concepção da ZDP, onde o aprendiz, o instrutor e o conteúdo interagem com o problema para o qual se procura uma solução. Vygotsky afirma, ainda, que são ineficazes, em termos de desenvolvimento, as aprendizagens orientadas para níveis de desenvolvimento que já foram atingidos, porque não apontam para um novo estágio no processo de desenvolvimento. A consideração da ZDP possibilita a proposta de boas aprendizagens, que são as que conduzem a um avanço no desenvolvimento (FINO, 2001 apud Vygotsky, 1978).

Do ponto de vista das funções biológicas e fisiológicas, as concepções de Vygotsky sobre o funcionamento do cérebro humano se fundam nas funções psicológicas superiores que são construídas sócio-historicamente no homem.

Na sua relação com o mundo, mediada pelos instrumentos e símbolos desenvolvidos culturalmente, o ser humano cria as formas de ação que o distinguem de outros animais. Sendo assim, a compreensão do desenvolvimento psicológico não pode ser buscada em propriedades naturais do sistema nervoso (LA TAILLE et al, 1992).

Vygotsky rejeitou a ideia de funções mentais fixas e imutáveis, trabalhando com a noção do cérebro como um sistema aberto, onde sua estrutura e modos de funcionamento são se adaptam durante o desenvolvimento individual, sobretudo pela multiplicidade de possíveis realizações do homem, em que o cérebro pode servir a novas funções, sem que seja necessário nenhuma mudança física no órgão.

Fisiologicamente, as funções mentais não podem ser localizadas em pontos específicos do cérebro ou em grupos isolados de células. Elas são organizadas a partir da ação de diversos elementos que atuam de forma articulada, cada um desempenhando um papel naquilo que se constituiu como um sistema funcional complexo. Numa determinada como a respiração, o suprimento do oxigênio aos pulmões e sua posterior absorção pela corrente sanguínea, pode ser atingido de diversas maneiras. Se o principal grupo de músculos que funciona durante a respiração pára de atuar, os músculos intercostais são chamados a trabalhar, mas se por alguma razão eles estiverem prejudicados, os músculos da laringe são mobilizados e o animal ou pessoa começa a engolir ar, que então chega aos alvéolos pulmonares por uma rota completamente diferente. A presença de uma tarefa constante desempenhada por mecanismos variáveis, produzindo um resultado constante, é uma das características básicas que distingue o funcionamento de cada sistema funcional. (LURIA, 1981.)

As ideias de Vygotsky sobre a fisiologia do funcionamento psicológico denotaram a ligação entre os processos psicológicos humanos e a situação do indivíduo num contexto sócio histórico. Para ele, instrumentos e símbolos construídos socialmente definem quais funções do cérebro serão exigidas ao longo do desenvolvimento e utilizadas na realização de tarefas distintas.
Uma ideia central para a compreensão das concepções de Vygotsky sobre o desenvolvimento humano como processo sócio histórico é a ideia de mediação.

Se por um lado a ideia de mediação remete a processo de representação mental, por outro lado refere-se ao fato de que os sistemas simbólicos que se interpõem entre sujeito e objeto de conhecimento têm origem social. Isto é, é a cultura que fornece ao indivíduo os sistemas simbólicos de representação da realidade e, por meio deles, o universo de significações que permite construir uma ordenação, uma interpretação, dos dados do mundo real. Ao longo de seu desenvolvimento o indivíduo internaliza formas culturalmente dadas de comportamento, num processo em que atividades externas, funções interpessoais, transformam-se em atividades internas, intrapsicológicas. As funções psicológicas superiores, baseadas na operação com sistemas simbólicos, são, pois, construídas de fora para dentro do indivíduo. O processo de internalização é, assim, fundamental no desenvolvimento do funcionamento psicológico humano. (OLIVEIRA, 1991.)

A linguagem humana, sistema simbólico fundamental na mediação entre sujeito e objeto de conhecimento, tem, para Vygotsky, duas funções básicas: a de intercâmbio social e a de pensamento generalizante. Isto é, além de servir ao propósito de comunicação entre indivíduos, a linguagem simplifica e generaliza a experiência, ordenando as instâncias do mundo real em categorias conceituais cujo significado é compartilhado pelos usuários dessa linguagem. Entretanto, o pensamento verbal não é uma forma de comportamento natural e inata, mas é determinado por um processo histórico-cultural e tem propriedades e leis específicas que não podem ser encontradas nas formas naturais de pensamento e fala. (LA TAILLE et al, 1992 apud Vygotsky, 1989, p.44.)

Para o indivíduo é no grupo cultural que ele vai se desenvolver, e que vai lhe dar o significado real dos conceitos, nomeadas por palavras da língua desse grupo. Apoiado nessas concepções, e coerente com sua abordagem genética, Vygotsky direciona seus esforços no processo de formação dos conceitos, ou seja: como se transforma, ao longo do desenvolvimento, o sistema de relações e generalizações contido numa palavra.

Como as tarefas de compreender e comunicar-se são essencialmente as mesmas para o adulto e para a criança, esta desenvolve equivalentes funcionais de conceitos numa idade extremamente precoce, mas as formas de pensamento que ela utiliza ao lidar com essas tarefas diferem profundamente das do adulto, em sua composição, estrutura e modo de operação". (LA TAILLE et al, 1992 apud Vygotsky, 1989, p.48.)

A respeito do processo de desenvolvimento, Vygotsky entende que o indivíduo humano, em suas funções biológicas, estabelece limites e possibilidades para seu funcionamento psicológico, interage, simultaneamente, com o seu mundo real, e ao mesmo tempo, com o mundo real organizado pela cultura, onde serão internalizadas no decorrer do seu desenvolvimento, constituindo-se no material que promoverá a mediação entre o sujeito e o objeto de conhecimento.

Este conceito distingue-se dos conceitos científicos, conforme estabelecido por Vigotsky, que são aqueles adquiridos por meio do ensino, como parte de um sistema organizado de conhecimentos, particularmente relevantes nas sociedades letradas, onde as crianças são submetidas a processos deliberados de instrução escolar. Suas considerações a respeito da aquisição dos conceitos científicos também elucidam suas concepções mais gerais acerca do processo de desenvolvimento. Os conceitos científicos, embora transmitidos em situações formais de ensino-aprendizagem, também passam por um processo de desenvolvimento, isto é, não são apreendidos em sua forma final, definitiva (LA TAILLE et al, 1992).

Essa citação sintetiza a concepção de Vygotsky, e expõe a ideia de que os conceitos científicos, diferentemente dos cotidianos, estão organizados em sistemas consistentes de inter-relações.

Na condição de sistema desenvolvido por atitudes mediadas, os conceitos científicos implicam em uma atitude metacognitiva de consciência e controle deliberado pelo indivíduo, que domina seu conteúdo no nível de sua definição e de sua relação com outros conceitos. Do mesmo modo que a formação dos conceitos cotidianos concretizam suas concepções sobre o processo de desenvolvimento psicológico. (LA TAILLE et al, 1992).

As concepções de Vygotsky sobre os fatores biológicos e sociais no desenvolvimento psicológico apontam para dois caminhos complementares de investigação: (i) o conhecimento do cérebro como substrato material da atividade psicológica, e a (ii) cultura como parte essencial da constituição do ser humano, num processo em que o biológico transforma-se no sócio histórico.

A construção de uma concepção que constitua uma síntese entre o homem enquanto corpo e o homem enquanto mente, objetivo explícito do projeto intelectual de Vygotsky e seus colaboradores, permanece um desafio para a pesquisa e a reflexão contemporâneas, sendo ainda uma questão epistemológica central nas investigações sobre o funcionamento psicológico do homem (LA TAILLE et al, 1992).
                                    
Teoria Genética-Epistemológica de Piaget

Nascido em Neuchatel, Suiça, em 1896, e falecido em 1980, Jean Piaget optou por iniciar seus estudos científicos pela biologia, campo no qual obteve doutorado aos 22 anos de idade. Mais adiante, passou a estudar e a investigar a natureza humana, sobretudo, no que se refere à inteligência humana, por entender que ela depende do seu próprio meio para se construir, dentro de um sistema de trocas entre o organismo e o meio.

Em 1924 publica A Linguagem e o Pensamento da Criança. Em 1926 publica A Representação do Mundo na Criança, e é neste livro que Piaget apresenta o Método Clínico, que, mais tarde, serviria de base para a Psicologia Genética.

No início de 1950 publica lntroduction à l Épistémologie Génétique, republicado em 1970 com o título: Epistemologia Genétic. Define-se Epistemologia Genética como o estudo da origem do conhecimento, origina-se de episteme que significa conhecimento, logia que é estudo e gênese que vem de origem (BAMPI, 2006).  É nesta obra que Piaget formaliza sua Epistemologia Psicológica.
Piaget dedicou anos de sua vida buscando estabelecer, conforme dito por Munari (2010, apud Piaget, 1976, p.10): “uma espécie de embriologia da inteligência”. E estudou incansavelmente a sua evolução, utilizando diversos métodos com ideias distintas, concluindo que existe um paralelismo entre os processos de elaboração do conhecimento individual e os processos de elaboração do conhecimento coletivo, ou seja, entre a psicogênese e a história das ciências (MUNARI, 2010 apud Piaget; Garcia, 1983).

Ainda sobre a inteligência, foi um estudioso e admirador da teoria da Gestalt, mais precisamente no tocante a ênfase que foi dada a percepção, muito embora tenha discordado da teoria, chegando a afirmar que a inteligência é um processo muito mais ativo do que aquele por ela formulado.

A percepção é o ponto de partida e também um dos temas centrais da psicologia da Gestalt. Os experimentos com a percepção levaram os teóricos da Gestalt ao questionamento de um princípio implícito na teoria behaviorista – que há relação de causa e efeito entre o estímulo e a resposta – porque, para os gestaltistas, entre o estímulo que o meio fornece e a resposta do indivíduo, encontra-se o processo de percepção. O que o indivíduo percebe e como percebe são dados importantes para a compreensão do comportamento humano (BOCK et al, 1993, p.54).

De acordo com Lefrançois (2008 apud Beilin e Fireman, 2000): a ação mental e física é à base da teoria de Piaget, onde a inteligência é a propriedade da atividade que é refletida maximamente no comportamento adaptativo e pode, em consequência disso, ser compreendida como o processo inteiro de adaptação.

Neste caso, ainda de acordo com Lefrançois (2008), adaptação é o processo de interagir com o ambiente, assimilando seus aspectos à estrutura cognitiva e modificando ou acomodando aspectos da mesma estrutura em relação ao ambiente, e ambas as atividades – assimilação e acomodação - ocorrem em resposta às demandas ambientais. Assim como, orientadas pela estrutura cognitiva, acabam por modificar a própria estrutura. Esse processo completo pode ser inferido apenas pelo comportamento real, chamado por Piaget conteúdo.

Em outras palavras, como se vê de forma sistêmica na Figura 07, a inteligência é definida pelas interações do indivíduo com o ambiente. Essas interações envolvem equilíbrio entre assimilação, que é a incorporação dos aspectos do ambiente à aprendizagem, e acomodação, que é a mudança comportamental diante das demandas do ambiente. O resultado dessa interação ou funcionamento é o desenvolvimento de estruturas cognitivas/esquemas e operações, que são, por sua vez, refletidas no comportamento/conteúdo (LEFRANÇOIS, 2008).
           
   Figura  – A inteligência em ação segundo Piaget
   Fonte: Adaptado da Figura 7.4 de Lefrançois (2008)

Escrevendo sobre essas interações com o ambiente, La Taille et at (1992 apud Piaget, 1967), ofereceu o seguinte comentário feito por Piaget: a inteligência humana somente se desenvolve no indivíduo em função de interações sociais que são, em geral, demasiadamente negligenciadas.  

Tal afirmação, num livro cujo título resume o tema central da obra do autor, talvez cause estranheza em alguns leitores, pois, como é notório, Piaget costuma ser criticado justamente por desprezar o papel dos fatores sociais no desenvolvimento humano. Todavia, nada seria mais injusto do que acreditar que tal desprezo realmente existiu. O máximo que se pode dizer é que, de fato, Piaget não se deteve longamente sobre a questão, contentando-se em situar as influências e determinações da interação social sobre o desenvolvimento da inteligência. Em compensação, as poucas balizas que colocou nesta área são de suma importância, não somente para sua teoria, como também para o tema (LA TAILLE et at, 1992).

Ampliando ainda mais a questão da relação interativa do indivíduo com o meio, e de acordo com Bampi (2006 apud Becker, 2001, p. 78): Há uma riquíssima bagagem hereditária, produto de milhões de anos de evolução, interagindo com uma cultura, produto de milhares de anos de civilização. Segundo Piaget [...] podemos perceber o aluno como um sujeito cultural ativo cuja ação tem dupla dimensão: assimiladora e acomodadora. Pela dimensão assimiladora, ele produz transformações no mundo objetivo, enquanto que pela dimensão acomodadora produz transformações em si mesmo, no mundo subjetivo. Assimilação e acomodação constituem as duas faces, complementares entre si, de todas as suas ações.

Nesta verdadeira obra-prima que é o Nascimento da inteligência da criança, as relações entre o sujeito e o meio consistem numa interação radical, de modo tal que a consciência não começa pelo conhecimento dos objetos nem pelo da atividade do sujeito, mas por um estado indiferenciado; e é deste estado que derivam dois movimentos complementares, um de incorporação das coisas ao sujeito, o outro de acomodação às próprias coisas. A organização de uma atividade assimiladora é testemunha, é essencialmente, construção e, assim, é de fato invenção, desde o princípio (p. 389). Isto é, a novidade emerge da própria natureza do processo de desenvolvimento do conhecimento humano (BAMPI, 2006 apud BECKER, 2001, p.21)

Frequentemente vemos teorias sobre cognição se limitarem a pensar a inteligência somente sob seus aspectos lógicos e biológicos, sem lembrar seu caráter social. Mas também, quando pensamos o social, frequentemente limitamo-nos a analisar processos de educação escolar ou de aquisição de linguagem. Ora, a dimensão ética está sempre presente, uma vez que qualquer relação interindividual pressupõe regras. O mérito de Piaget foi o de integrar essas regras ao próprio processo de desenvolvimento, embora sua teoria corra o risco de pretender demonstrar o que era, na verdade, pressuposto: o valor ético da igualdade, da liberdade, da democracia. Em uma palavra, o valor dos direitos humanos (LA TAILLE et at,1992)

Ainda segundo La Taille et at (1992 apud Piaget, 1977, p. 242). “O homem normal não é social da mesma maneira aos seis meses ou aos vinte anos de idade, e, por conseguinte, sua individualidade não pode ser da mesma qualidade nesses dois diferentes níveis.”

Piaget procurou ligações entre a psicologia e a biologia numa tentativa de explicar cientificamente a existência do homem, também afirmou em sua obra que está na própria criança a fonte originária dos dados para o estudo de como acontece o seu desenvolvimento intelectual.

Para clarear a posição de Piaget sobre a questão biológica, alvo de tantas polêmicas, Bampi (2006, Piaget apud Seber, 1997, p. 51), trás o seguinte pensamento:

O organismo é um ciclo de processos físico-químicos e cinéticos que, em relação constante com o meio, engendram-se mutuamente […] o funcionamento do organismo não destrói, mas conserva o ciclo de organização e coordena os dados do meio, de modo a incorporá-los nesse ciclo […] o corpo vivo apresenta uma estrutura organizada, um sistema de relações interdependentes; […] trabalha para conservar a sua estrutura definida e, para fazê-lo, incorpora-lhe os alimentos químicos e energéticos necessários, retirados do meio ambiente; por consequência reage sempre às ações do meio em função desta estrutura particular e tende, afinal de contas, a impor ao universo inteiro uma forma de equilíbrio dependente desta organização

O envolvimento de Piaget com a biologia transferiu e fez produzir duas indagações que nortearam seus estudos sobre o desenvolvimento da criança. Uma sobre a maneira de classificar o desenvolvimento infantil, e a outra sobre quais características permitem as crianças se adaptarem ao seu ambiente.

A orientação teórica de Piaget é claramente biológica e evolucionária, bem como cognitiva, ou seja, ele estuda o desenvolvimento da mente (uma busca cognitiva) no contexto da adaptação biológica. Como coloca Von Glasersfeld (1997), a mais básica de todas as ideias de Piaget é: o desenvolvimento humano é um processo de adaptação. E a mais alta forma de adaptação é a cognição (ou o conhecimento) (LEFRANÇOIS, 2008 p.244)

Para Piaget o indivíduo recém-nascido, além de indefeso, não conhece as coisas do mundo real, sobretudo os processos de causas e efeitos. Sua mente ainda não acumulou nenhuma ideia, e justamente por isto não apresenta comportamento intencional, conta apenas com raros reflexos e uma imensa capacidade de adaptação.

Segundo Lefrançois (2008), [...] os recém-nascidos são pequenas máquinas sensoriais que parecem naturalmente predispostas a adquirir e processar uma tremenda quantidade de informação. Eles buscam a estimulação exterior e respondem a ela de forma contínua, como destaca Flavell (1985). Como resultado, os reflexos simples dos bebês – sugar, alcançar e agarrar – tornam-se mais complexos, mais coordenados e mais propositais, O processo pelo qual isso ocorre é a adaptação. E responde à primeira das questões da biologia levantadas por Piaget: assimilação e acomodação são os processos que tornam possível a criança se adaptar ao ambiente.   

De forma resumida, o autor esclarece que assimilação implica reagir com base em aprendizagem e compreensão prévias; acomodação implica mudança de compreensão. E essa interação entre assimilação e acomodação leva à adaptação.

Toda atividade envolve tanto a assimilação quanto à acomodação, e é importante que haja um equilíbrio, um balaço entre uma e outra, processo que Piaget chamou de equilibração, ou seja: se muita assimilação, não há uma nova aprendizagem; se há muita acomodação ou mudança, o comportamento torna-se caótico (LEFRANÇOIS, 2008).

Assimilação e acomodação pelos seus comportamentos que não permitem a modificação, em razão do desenvolvimento, foram denominadas de invariantes funcionais por Piaget, que podem ser exemplificadas na primeira infância pelo ato de brincar, característico da assimilação, e a imitação que é característico da acomodação.

Quando as crianças brincam elas assimilam continuamente objetos ou atividades predeterminadas, ignorando os atributos que não se encaixam naquela atividade. Por exemplo, quando as crianças sentam numa cadeira e dizem “Upa cavalinho”, não estão dando atenção particular aos atributos da cadeira que não lembram um cavalo. Esse tipo de comportamento ao brincar envolve pouca mudança, portanto, há pouca acomodação – o que não significa negar sua importância no desenvolvimento infantil. O efeito é a estabilização da atividade, para que se fixe o estágio para a aprendizagem seguinte (LEFRANÇOIS, 2008)

As crianças ao brincarem e jogarem se submetem, de acordo com a sua compreensão das regras, a vários estágios no processo do seu desenvolvimento, conforme o exposto no quadro abaixo.

Em sua amplitude, a teoria piageteana tratou da Psicologia Genética, da Lógica e Epistemologia, e da Epistemologia Genética, sempre na busca por um modelo para a estrutura cognitiva humana que viabilizasse a formação e o desenvolvimento do conhecimento.

Para tanto, dentre outros estudos, persistentemente, ele e seus colaboradores realizaram um grande número de experimentos com bebês, crianças e adolescentes visando a compreender e estabelecer o Modelo Clínico, citado anteriormente (RIZZI, C. B.; COSTA, A. C. R, 2004).
 
Compreensão das Regras pelas Crianças
Estágio
Idade Aproximada
Grau de Compreensão
Adesão às Regras
Estágio 01
Antes dos 3
Nenhuma compreensão de regras
Não brincam de acordo com as regras
Não têm ideia de que as regras existem e brincam sem observá-las
Estágio 02
Dos 3 aos 5
Acreditam que as regras vêm de Deus (ou de alguma autoridade maior) e não podem ser mudadas.
Quebram e mudam as regras constantemente
Já desenvolveram a crença de que as regras são eternas e imutáveis.
Estágio 03
Dos 5 aos 11 ou 12
Compreendem que as regras são sociais e podem ser mudadas
Não mudam as regras; aderem a elas de forma rígida
Começam a perceber que as regras são feitas pelas pessoas e podem ser mudadas. Ironicamente as crianças são muito rígidas no respeito a elas.
Estágio 04
Depois dos 11 ou 12
Compreensão completa
Mudam as regras por consentimento mútuo
Chegam à compreensão completa das regras. Tanto em relação ao comportamento quanto em relação ao pensamento, aceitam as regras como modificáveis


Quadro  – Compreensão das Regras Pelas Crianças - PIAGET
 Fonte: Adaptado da Tabela 7.2 (LEFRANÇOIS, 2008)

Estes experimentos acabaram por convencer Piaget de que a estrutura cognitiva não se constituía apenas pela herança genética do indivíduo, no que se pode chamar de Visão Apriorista, que acredita que o conhecimento é produzido pela capacidade inata, aquela que nasce com ele; nem muito menos apenas pela Visão Empirista, que acontece exclusivamente pela experiência adquirida, mais sim pela visão da Epistemologia Genética, onde o conhecimento se constrói na interação do sujeito com o ambiente.

O Método Clínico pode ser entendido como um procedimento de entrevistas com crianças, realizado através da coleta e análise de dados, onde se acompanha sistematicamente o pensamento da criança. De acordo com as respostas obtidas, o entrevistador numa atitude flexível e interagindo de forma adequada, elabora novas perguntas, onde se avalia a sua qualidade e a sua abrangência.

Piaget deve a descoberta de novos dados, uma mina de ouro, ao novo método introduzido por ele, o método clínico, cuja força e originalidade situam-se entre os melhores métodos de pesquisa psicológica e convertem-no em um elemento insubstituível para o estudo da mudança evolutiva das complexas formações do pensamento infantil (BAMPI, 2006 apud  VYGOTSKY, 1934, p. 31).

As investigações de Jean Piaget sobre a ontogênese do conhecimento levaram-no ao entendimento da organização da inteligência humana como sendo uma estrutura construída ao longo do processo evolutivo.  Sendo a inteligência passível de desenvolver-se por estágios definidos, relacionados à idade cronológica, conforme se encontra na Tabela 02. Estes estágios referem-se ao processo de compreensão sobre o universo, que garantirão sua adaptação a ele e, consequentemente, seu desenvolvimento intelectual estará subordinado à ação do sujeito sobre o meio, e as experiências do sujeito no meio físico e social. (BAMPI, 2006).

Os processos equilibradores da assimilação e da acomodação são responsáveis por todas as mudanças associadas ao desenvolvimento cognitivo. Na sua concepção, é mais provável que o desequilíbrio ocorra durante os períodos de transição entre estágios. Isto é, apesar de Piaget ter postulado que os processos equilibradores continuam por toda a infância, à medida que as crianças adaptam-se continuamente ao seu ambiente, ele também considerou que o desenvolvimento envolve estágios, distintos, descontínuos. Particularmente, Piaget (1969, 1972) dividiu o desenvolvimento cognitivo nos quatro estágios sensório-motor, pré-operatório, operatório concreto e operatório formal (STEENBERG, 2000).
 
Estágio
Idade Aproximada
Características Principais
Sensório-motor
0-2 anos
·       Inteligência Motora
·       O mundo do aqui e agora
·       Ausência de linguagem e de pensamento nos estágios iniciais
·       Nenhuma noção da realidade
Pré-operacional
2-7 anos

             Pré-conceitual
2-4 anos
·       Pensamento egocêntrico
·       Raciocínio dominado pela percepção
             Intuitivo
4-7 anos
·       Soluções intuitivas e não lógicas
·       Incapacidade de conservar
Operações Concretas
7-11 ou 12 anos
·       Capacidade de conservar
·       Lógicas de classes e relações
·       Compreensão de números
·       Pensamento ligado ao concreto
·       Desenvolvimento da reversibilidade no pensamento
Operações Formais
11 ou 12-14 ou 15 anos
·       Generalidade completa do pensamento
·       Pensamento proposicional
·       Capacidade de lidar com o hipotético
·       Desenvolvimento de forte idealismo
Tabela – Estágios do Desenvolvimento Cognitivo de Piaget
Fonte: Lefrançois (2008)

Estágio Sensório-motor
           
O que marca este estágio é a ausência da linguagem e da representação no comportamento da criança. O mundo da criança, por não poder ser representado mentalmente, é um mundo do aqui e agora, nele os objetos só existem apenas no momento em que a criança sente e manipula, por isso é chamado de sensório-motor.

Sternberg (2000) diz que, para Piaget as primeiras adaptações do bebê são reflexivas, e ele gradualmente vai obtendo o controle consciente e intencional sobre as suas ações motoras. A Princípio, ele age assim para manter ou repetir sensações interessantes. Mais tarde, entretanto, exploram ativamente seu mundo físico, e buscam, de forma determinada, novas e interessantes sensações. 

Ao longo das primeiras fases do desenvolvimento cognitivo sensório-motor, a cognição infantil parece focalizar-se apenas no que eles podem perceber imediatamente, pelos seus sentidos. Os bebês nada concebem que não lhes seja imediatamente perceptível. De acordo com Piaget, eles não têm um senso de permanência do objeto, pela qual os objetos continuam a existir, mesmo quando imperceptível aos bebês (STERNBERG, 2000, p.375). 
           
Estágio Pré-operacional

O estágio da inteligência pré-operacional na criança é caracterizado pela evolução do seu entendimento do mundo, mais ainda muito aquém da compreensão do adulto, sendo visto em dois momento, o subestágio pré-conceitual e o subestágio intuitivo.

A criança pré-conceitual, período entre dois e quatro anos, adquire a capacidade de representar objetos internamente, ou seja: no âmbito mental, e identificá-los com base na sua inclusão em classes, mas agora reage a todos os objetos semelhantes como se eles fossem idênticos. No entanto, a compreensão delas é incompleta porque não são, ainda, capazes de distinguir entre membros aparentemente idênticos da mesma classe, daí o termo pré-conceitual. Outra característica deste estágio é que ele é transdedutivo, em vez de dedutivo ou indutivo (LEFRANÇOIS, 2008).

E explica Lefrançois (2008): o raciocínio dedutivo parte do geral para o específico. O raciocínio indutivo vai do específico ao geral. Tanto o dedutivo quanto o indutivo são métodos válidos do pensamento lógico. Em contraposição o raciocínio transdutivo é um tipo falso de lógica que envolve fazer inferências de um específico para outro. Como exemplo: a criança que raciocina Meu cachorro tem pêlo e aquela coisa tem pêlo; portanto, aquela coisa é um cachorro. 

Já entre os quatro e os sete anos, a criança se encontra no pensamento intuitivo e atinge a compreensão mais completa dos conceitos e não mais raciocinam de modo trandutivo. Seu pensamento tornou-se mais lógico, embora ainda seja governado mais pela percepção do que pela lógica. Na verdade, o papel desempenhado pela percepção neste estágio é provavelmente a característica mais notável desse período. O papel da percepção é evidente na falta de conservação da criança, no pensamento egocêntrico e nas dificuldades com o problema da classificação.

As observações com crianças neste estágio, apresentadas na figura abaixo, com duas imagens (a) e (b), ambas com reservatórios rigorosamente com a mesma quantidade de líquido, demonstram que elas, quase invariavelmente, afirmam que o recipiente mais fino e mais comprido tem mais líquido. Elas são enganadas pela aparência (percepção), bem como pela falta de capacidades lógicas específicas.

  
Figura : Experimento de Conservação – Percepção em Piaget
Fonte: Figura 7.5 (LEFRANÇOIS, 2008, p. 253)
           
Chama-se pré-operacional porque no período que antecede aos 7 anos de idade, a criança não raciocina com operações. No sistema peageteano o termo operação é destaque, e pode ser definido como uma atividade do pensamento, voltada para o interior, sujeita a algumas regras da lógica, com a reversibilidade; a identidade; e a compensação, que são tratadas no estágio das operações concretas.

Sternberg (2000), afirma que ocorrem muitas modificações do desenvolvimento no decorrer desse estágio. A experimentação intencional e ativa das crianças com a linguagem e com objetos em seus ambientes resulta em enormes acréscimos no desenvolvimento conceitual e linguístico. Esses desenvolvimentos auxiliam a abrir caminho para o desenvolvimento cognitivo no estágio de operações concretas. 

Ainda para Sternberg (2000), as crianças têm mais dificuldades para conservar a quantidade, quando ocorrem modificações perceptíveis, conforme os experimentos apresentados no Quadro 04 abaixo.

Operações Concretas

O terceiro estágio denominado por Piaget de Operações Concretas situa as crianças entre as idades de 7 a 8 anos e 11 ou doze anos e são capazes de mentalmente compor ou manipular as representações que adquiriram no estágio pré-operatório.

Segundo Sternberg (2000), elas agora não só têm ideias e memórias dos objetos, mas também podem realmente realizar operações mentais com essas ideias e memórias. Entretanto, podem agir assim apenas quanto a objetos concretos (p.ex., ideias e memórias de carros, alimentos, brinquedos e outras coisas tangíveis) – daí a denominação de operações concretas.
  
Possivelmente, a evidência mais forte da passagem do estágio anterior para o concreto seja sentido nos experimentos clássicos de Piaget, conforme consta do Quadro 09, sobre a conservação da quantidade.

Para Sternberg (2000), na conservação, a criança é capaz de conservar mentalmente ou lembrar-se de uma determinada quantidade, muito embora observe que houve modificações na aparência do objeto ou da substância.

O pensamento operatório concreto permite à criança apreender que um objeto pode ser ao mesmo tempo semelhante e diferente de outros objetos. [...] assim, se uma criança aprecia que um dado elemento pode ser igual e diferente dos outros, ela possui flexibilidade de raciocínio para construir a noção de unidade. E é esta unidade que permite a verdadeira quantificação da experiência em todos os seus muitos domínios. É capaz de quantificar as suas experiências na realidade (BAMPI, 2006 apud ELKIND, 1978, p. 96).

Neste período, segundo Bock et al (1993), o egocentrismo intelectual e social demonstrado pelo indivíduo no estágio anterior, é superado nas Operações Concretas pelo início da construção lógica, ou seja, a capacidade de ter pontos de vista diferentes, que podem se referir a outras pessoas ou a ele próprio, e passam a ver um objeto ou situação com aspectos diferentes ou até mesmo conflitantes, coordenando-os e integrando-os de modo lógico e coerente.

Neste nível do pensamento, conforme registra bock et al (1993), o indivíduo consegue: (i) estabelecer corretamente as relações de causa e efeito e de meio e fim; (ii) sequenciar ideias ou eventos; (iii) trabalhar ideias sob dois pontos de vista, simultaneamente; e (iv) formar o conceito de número. No início do período, sua noção de número está vinculada a uma correspondência com o objeto concreto.   

No plano afetivo, isto significa que ele será capaz de cooperar com os outros, de trabalhar em grupo e, ao mesmo tempo, de ter autonomia pessoal.

[...] ocorre o aparecimento da vontade como qualidade superior e que atua quando há conflitos de tendências ou intenções (entre o dever e o prazer, por exemplo). A criança adquire uma autonomia crescente em relação ao adulto, passando a organizar seus próprios valores morais. Os novos sentimentos morais, característicos deste período são: o respeito mútuo, a honestidade, o companheirismo e a justiça, que considera a intenção na ação. Por exemplo, se a criança quebra o vaso da mãe, ela acha que não deve ser punida se isto ocorreu acidentalmente [...] (Bock et al. 1992 p.89, grifo do autor).

Quadro: Experimento de Conservação – Comparação Pré-operacional e Operatório Concreto
Fonte: Tabela 13.2 de Sternberg (2000, p. 378-379) 

Neste estágio, os indivíduos, a partir de coisas reais e concretas, conseguem executar suas habilidades e capacidades.

Neste nível do pensamento, conforme registra bock et al (1993), o indivíduo consegue: (i) estabelecer corretamente as relações de causa e efeito e de meio e fim; (ii) sequenciar ideias ou eventos; (iii) trabalhar ideias sob dois pontos de vista, simultaneamente; e (iv) formar o conceito de número. No início do período, sua noção de número está vinculada a uma correspondência com o objeto concreto.   

No plano afetivo, isto significa que ele será capaz de cooperar com os outros, de trabalhar em grupo e, ao mesmo tempo, de ter autonomia pessoal.

[...] ocorre o aparecimento da vontade como qualidade superior e que atua quando há conflitos de tendências ou intenções (entre o dever e o prazer, por exemplo). A criança adquire uma autonomia crescente em relação ao adulto, passando a organizar seus próprios valores morais. Os novos sentimentos morais, característicos deste período são: o respeito mútuo, a honestidade, o companheirismo e a justiça, que considera a intenção na ação. Por exemplo, se a criança quebra o vaso da mãe, ela acha que não deve ser punida se isto ocorreu acidentalmente [...] (Bock et al. 1992 p.89, grifo do autor).

E ainda segundo Bock et al (1992), ao longo desse estágio vai se desenvolvendo no indivíduo a cooperação, fator muito importante como um facilitador do trabalho em grupo, que vai se tornando uma constante em sua vida.

Operações Formais

O estágio operatório formal, que compreende a faixa etária dos 11 ou 12 anos em diante, envolve operações mentais sobre abstrações e símbolos que podem não ter formas concretas ou físicas. Além do mais, as crianças começam a compreender algumas coisas que elas mesmas tinham experimentado diretamente (STERNBERG, 2000 apud INHELDER & PIAGET, 1958).

Chega-se a fase do processo que leva as operações a se libertarem da duração do contexto psicológico das ações do sujeito com aquelas que comportam dimensões causais, além de suas propriedades implicadoras ou lógicas, para atingir finalmente esse aspecto extemporâneo que é peculiar das ligações lógico-matemáticas depuradas.

Neste período, na medida em que se interiorizam as operações lógico-matemáticas do sujeito, graças às abstrações refletidoras que elaboram operações sobre outras operações, e na medida em que é finalmente atingida esta extemporaneidade que caracteriza os conjuntos de transformações possíveis e não mais apenas reais, que o mundo físico e seu dinamismo espaço-temporal, englobando o sujeito como uma parte ínfima entre as demais começa a tornar-se acessível a uma observação objetiva de certas de suas leis, e, sobretudo as explicações causais que forçam o espírito a uma constante descontração na sua conquista dos objetos (MUNARI, 2010).

Ocorre então a transição do pensamento concreto para o pensamento formal, abstrato, ou seja, o adolescente realiza as operações no plano das ideias, sem necessitar de manipulação ou referências concretas, como no período anterior. É capaz de lidar com conceitos como liberdade, justiça etc.

O adolescente domina, progressivamente, a capacidade de abstrair e generalizar cria teorias sobre o mundo, principalmente sobre aspectos que gostaria de reformular. Isso é possível graças à capacidade de reflexão espontânea que, cada vez mais descolada do real, é capaz de tirar conclusões de puras hipóteses (BOCK et al, 1993).

Segundo Bock et al (1993), o livre exercício da reflexão permite ao adolescente, inicialmente, submeter o mundo real aos sistemas e teorias que o seu pensamento é capaz de criar. Isto vai sendo atenuado de forma crescente, através da reconciliação do pensamento com a realidade, até ficar claro que a função da reflexão não é contradizer, mas se adiantar e interpretar a experiência.

Para Sternberg (2000), neste período os indivíduos são capazes de adotar outras perspectivas além das suas próprias, mesmo quando não estão trabalhando com objetos concretos. Além disso, procuram criar uma representação mental sistemática das situações com as quais se deparam. Piaget usou diversas tarefas para demonstrar o ingresso nas operações formais. Por exemplo, considerando a maneira pela qual se executam as permutações ou variações em combinações, ele faz a seguinte indagação, cujas respostas são descritas no Quadro 10:

            Quais são todas as permutações possíveis das letras “A”; “B”; “C”; e “D” “D”? 
                                 

Quadro: Tarefa de Combinações para o Estágio das Operações Formais
Fonte: Adaptado de Sternberg (2000, p. 380)

Outros aspectos do raciocínio dedutivo e indutivo também se desenvolvem neste período, Assim como crescem a capacidade para usar a lógica formal, raciocínio matemático, e a sofisticação do processamento conceitual e linguístico.

[...] o raciocínio pertence ao processo de tirar conclusões a partir dos princípios e da evidência, passando do que já é conhecido a inferir uma nova conclusão ou avaliar uma conclusão proposta. O raciocínio, frequentemente, é dividido em dois tipos – raciocínio dedutivo e raciocínio indutivo [...] (STERNBERG, 2000 apud WATSON & JOHNSON-LAIRD, 1972).  

No Quadro 11 estão descritas algumas das características que envolvem o raciocínio dedutivo e indutivo.
Quadro: Características do Raciocínio Dedutivo e Indutivo
Fonte:  Sternberg (2000, p. 349)

Do ponto de vista de suas relações sociais, também ocorre o processo de caracterizar-se, inicialmente, por uma fase de interiorização, em que, aparentemente, é antissocial. Ele se afasta da família, não aceita conselhos dos adultos; mas, na realidade, o alvo de sua reflexão é a sociedade, sempre analisada como passível de ser reformada e transformada. Posteriormente, atinge o equilíbrio entre pensamento e realidade, quando compreende a importância da reflexão para a sua ação sobre o mundo real. Por exemplo, no início do período, o adolescente que tem dificuldades na disciplina de Matemática pode propor sua retirada do currículo e, posteriormente, pode propor soluções mais viáveis e adequadas, que considerem as exigências sociais (BOCK et al, 1993).

Afetivamente, o adolescente vive conflitos. Deseja ser aceito pelos amigos e pelos adultos. Muito embora queira se libertar dele, mas sabe que ainda depende do adulto.

O grupo de amigos é um importante referencial para o jovem, determinando o vocabulário, as vestimentas e outros aspectos de seu comportamento, e começa a estabelecer sua moral individual, que é referenciada à moral do grupo (BOCK et al, 1993).

É importante lembrar que na nossa cultura, em determinadas classes sociais que protegem a infância e a juventude, a prorrogação do período da adolescência é cada vez maior, caracterizando-se por uma dependência em relação aos pais e uma postergação do período em que o indivíduo vai se tornar socialmente produtivo e, portanto, entrará na idade adulta.

Conforme Piaget, a personalidade começa a se formar no final da infância, entre 8 e 12 anos, com a organização autônoma das regras, dos valores, a afirmação da vontade. Esses aspectos subordinam-se num sistema único e pessoal e vão-se exteriorizar na construção de um projeto de vida. Esse projeto é que vai nortear o indivíduo em sua adaptação ativa à realidade, que ocorre através de sua inserção no mundo do trabalho ou na preparação para ele, quando ocorre um equilíbrio entre o real e os ideais do indivíduo, isto é, de revolucionário no plano das ideias, ele se torna transformador, no plano da ação (BOCK et al, 1993).

Na idade adulta não surge nenhuma nova estrutura mental, e o indivíduo caminha então para um aumento gradual do desenvolvimento cognitivo, em profundidade, e uma maior compreensão dos problemas e das realidades significativas que o atingem. Isto influencia os conteúdos afetivo-emocionais e sua forma de estar no mundo.

Na essência, o pensamento de Piaget diz respeito a uma teoria do desenvolvimento humano, em especial devido a sua ênfase na gênese ou desenvolvimento do conhecimento, o que foi chamado por ele de epistemologia genética. Do ponto de vista educacional, Lefrançois (2008 apud PIAGET, 1961), trás as seguintes afirmações presentes na teoria: (i) a aquisição do conhecimento é um processo desenvolvimentista gradual que se torna possível pela interação da criança com o ambiente; (ii) a sofisticação da representação do mundo pelas crianças é uma função do seu estágio de desenvolvimento. Esse estágio é definido pelas estruturas de pensamento que elas possuem na ocasião; e (iv) a maturação, experiência ativa, equilibração e interação social são as forças que moldam a aprendizagem, conforme consta descritivamente no quadro abaixo.

Força
Explicação
Implicação Educacional
Equilibração
A tendência em manter um equilíbrio entre assimilação (resposta que utiliza aprendizagem prévia) e acomodação (mudança de comportamento em resposta ao ambiente).
É necessário proporcionar às crianças atividades com nível ótimo de dificuldade – nem tão difíceis a ponto de elas se sentirem exageradamente desafiadas, nem tão fáceis a ponto de não requererem nenhuma acomodação  
Maturação
As forças genéticas que, embora não determinem o comportamento, estão relacionadas ao seu desdobramento
Os professores precisam saber alguma coisa sobre como as crianças pensam e aprendem – sobre seu nível de maturação e compreensão, para otimizar suas experiências educacionais.
Experiência Ativa
A interação com objetos e eventos reais permite aos indivíduos descobrir coisas e inventar (construir) representações mentais do mundo
Essa força apoia um currículo construtivista, aquele no qual o aprendiz é envolvido ativamente no processo de descobrir e aprender.
Interação Social
A interação com as pessoas resulta na elaboração de ideias sobre as coisas, as pessoas e sobre si mesmo.
As escolas precisam oferecer amplas oportunidades para a integração aluno-aluno e professor-aluno nas áreas acadêmicas (sala de aula) e não acadêmicas (playground, biblioteca etc.)
                Quadro: Forças que moldam o Desenvolvimento Humano de Piaget
                Fonte:  Lefrançois (2008, p. 262)

Lefrançois (2008) destaca que, ao descrever as forças que modelam o desenvolvimento da criança, Piaget atribuiu um importante papel à interação social. É por meio dela que as crianças se tornam conscientes dos sentimos e pensamentos alheios, desenvolvem regras morais e de brincar, e desenvolvem e praticam seus próprios processos de pensamento lógico.

Ainda pedagogicamente, é importante ressaltar que não existe nenhum método desenvolvido por Piaget, sua obstinação sempre foi por entender como o conhecimento é construído, fato que o leva a se tornar um epistemólogo. No entanto, algumas propostas pedagógicas utilizaram suas teorias como ponto de desenvolvimento e implementação de métodos didático-pedagógicos voltados para o ensino-aprendizagem.

Destarte, o que se pode tirar de Piaget sobre educação nos trás Munari (2010 apud Piaget, 1940, p.12): “A educação constitui, pois, em sua opinião, a primeira tarefa de todos os povos, sobrepondo as diferenças ideológicas e políticas, o bem comum de todas as civilizações: a educação da criança”.

Ademais, Piaget propôs uma escola não coercitiva, onde o aluno, por si mesmo, experimenta e reconstrói aquilo que busca aprender. Pode-se então dizer que Piaget ofereceu apenas um projeto educativo.

Não se aprende a experimentar simplesmente vendo o professor experimentar, ou dedicando-se a exercícios já previamente organizados: só se aprende a experimentar, tateando, por si mesmo, trabalhando ativamente, ou seja, em liberdade e dispondo de todo o tempo necessário (MUNARI 2010, apud Piaget, 1949, p.39).

Becker (2001, p. 78) amplia a nossa compreensão sobre esse ponto:

Segundo Piaget [...] podemos perceber o aluno como um sujeito cultural ativo cuja ação tem dupla dimensão: assimiladora e acomodadora. Pela dimensão assimiladora, ele produz transformações no mundo objetivo, enquanto que pela dimensão acomodadora produz transformações em si mesmo, no mundo subjetivo. Assimilação e acomodação constituem as duas faces, complementares entre si, de todas as suas ações.

Críticas ao Estágio das Operações Formais

Em seu pensamento teórico, Piaget procurou não deixar muito espaço para dúvidas quanto ao entendimento de que as operações formais são características da grande maioria dos adolescentes mais velhos, bem como da maioria dos adultos. Entretanto, muitos estudos não conseguiram encontrar evidências das Operações Formais entre adultos, quanto mais entre adolescentes.

Quando Dulit (LEFRANÇOIS, 2008 apud DULIT, 1972) avaliou adolescentes talentosos mais velhos em Operações Formais, descobriu que pelo menos a metade ainda funcionava no nível das Operações Concretas; um quarto dos adolescentes mais velhos e dos alunos operava no nível das Operações Formais. Da mesma maneira, estudos interculturais têm procurado encontrar evidências de pensamento além das operações concretas em muitas culturas. Ironicamente, parece que Piaget, embora tenha subestimado as capacidades das crianças pequenas, pode ter superestimado as das crianças mais velhas e as dos adolescentes (LEFRANÇOIS, 2008 apud INHELDER E PIAGET, 1958)

Em virtudes dessas descobertas, Piaget aceitou que o Estágio das Operações Formais está longe de ser tão geral quanto pensava e alterou a sua postura anterior.

As evidências disponíveis sugerem que as operações formais são consideradas de forma mais adequada se vista como processos cognitivos potenciais em vez de prováveis: Em resumo, as operações formais são provavelmente impossíveis na média infância, ou antes; elas são possíveis, mas estão longe de ser completamente gerais, na adolescência e na idade adulta (LEFRANÇOIS, 2008, apud PIAGET, 1972).

Importantes Contribuições Contemporâneas à Teoria de Piaget

Os Teóricos que deram prosseguimentos ao pensamento de Piaget promoveram um entendimento e uma compreensão mais ampla da teoria do desenvolvimento cognitivo.

Segundo Sternberg (2000), cada um dos seguidores de Piaget é individualmente diferente, todavia, boa parte é pacifica quanto aos seguintes aspectos: (i) aceitar a noção geral dos estágios do desenvolvimento cognitivo, de Piaget; (ii) concentrar-se nos aspectos científicos ou lógicos desse desenvolvimento - muitas vezes, observando as crianças empenharem-se em muitas das mesmas tarefas usadas por Piaget-; (iii) conservar alguns vínculos com a noção de que o desenvolvimento cognitivo ocorre através da equilibração.

Alguns desses seguidores de Piaget desenvolveram e inseriram um quinto estágio de desenvolvimento cognitivo, sem fazerem grandes intervenções na teoria do desenvolvimento cognitivo, apenas sugere um quinto estágio, além dos quatro desenvolvidos por Piaget.

De acordo com Sternberg (2000 apud ARLIN, 1975), Arlin propôs que a descoberta de problemas fosse a essência do quinto estágio. Nele, as pessoas chegariam a dominar as tarefas de entender exatamente com quais problemas se deparariam, e decidiriam quais deles são mais importantes e dignos dos seus esforços para a solução.

Reconhecendo que na vida não há como ter uma posição ou resposta definitiva, outros teóricos admitiram que o raciocínio lógico, além das operações formais de Piaget, pode caminhar para um quinto estágio. Entenderam eles que na vida vai-se construindo a teses, depois a antítese, e a síntese, e depois se inicia uma nova tese, antítese, síntese, e assim por diante.

Psicólogos como Deirdre Kramer (1990), Gisela Labouvie-Vief (1980, 1990), Juan Pascual-Leone (1984, 1990) e Klaus Riegel (1973) afirmam que, depois do estágio de operações formais, alcançamos um estágio de pensamento pós-formal, no qual reconhecemos os constantes desdobramentos e a evolução do pensamento, tal como na dialética proposta originalmente pelo filósofo Georg Hegel. O pensamento pós-formal possibilita que os adultos manipulem, mentalmente, os caprichos e as inconsistências das situações cotidianas, nas quais, raramente, estão disponíveis respostas simples e sem ambiguidades. Pelo pensamento pós-formal, podemos refletir e escolher dentre alternativas, reconhecendo que alternativas podem oferecer benefícios inalcançáveis a parir da escolhida (STERNBERG, 2000, p. 383).

Um dos que concordam com Piaget quanto à existência de apenas quatro estágios, segundo Sternberg (2000, apud CASE, 1984; 1985; 1987), é Robbie Case, e para ele existiria apenas variações nos estágios, e na medida em que a capacidade de processamento da informação aumentasse, da mesma forma aumentaria a sua capacidade para manipular essas representações internas.
Case sugeriu dois tipos de processos pelos quais o desenvolvimento cognitivo é alcançado:

O primeiro processo é pela Inter coordenação, onde a criança usa ativamente os recursos de atenção para formar novas estruturas cognitivas, durante tarefas cognitivas, tais como a exploração do ambiente e a resolução de problemas; E o segundo pela redução da quantidade de recursos de atenção necessários para desempenhar uma determinada tarefa, liberando, desse modo, esses recursos para outros processos cognitivos. Ou seja, pela consolidação, a criança integra em um todo unificado as múltiplas estruturas existentes, e pela automatização a repetida prática de procedimentos pela criança reduz a quantidade de esforço consciente necessário para a realização desses procedimentos, transformando-os de processos controlados para processos automáticos (STERNBERG, 2000, p.383 apud CASE, 1992).

De acordo com Sternberg (2000, apud FISCHER, 1980), outro que sugeriu vários mecanismos para o desenvolvimento cognitivo foi Kurt Fischer, permitindo que as crianças progridam de um nível de desenvolvimento para outro, não sendo o nível anterior modificado, até que a criança tenha dominado todas as habilidades necessárias para passar ao nível seguinte de desenvolvimento. E, logo que todas as habilidades necessárias para um dado nível sejam dominadas, a criança pode intercoordená-las, com o intuito de se lançar para o próximo nível de desenvolvimento cognitivo. Assim, ele trata simultaneamente das questões da continuidade versus descontinuidade, e do desempenho versus competência, sugerindo que podemos conceber o desenvolvimento em função de mudanças contínuas no desempenho típico, acompanhadas por mudanças descontínuas nos níveis ótimos de competência.

Por outro lado, segundo Bock et al (2001), Piaget não desenvolveu uma teoria do processo de ensino-aprendizagem, mas formulou referências claras que, na década de 80, seriam utilizadas por sua aluna doutorando em psicopedagoga, a argentina Emília Ferreiro.

Ainda de acordo com Bock et al (2000), Ferreiro procurou demonstrar que existem mecanismos no indivíduo que aprende mecanismos estes que surgem da interação com a linguagem escrita, e que emergem de uma forma muito particular em cada um dos sujeitos. Desta forma, as crianças interpretam o ensino que recebem, transformando a escrita convencional e produzindo escritas estranhas ao adulto. São, na verdade, do ponto de vista de Ferreiro, aplicações de esquemas de assimilação ao objeto de aprendizagem; são formas de interpretar e compreender o mundo das coisas.

Existe um sujeito que conhece e que, para conhecer, emprega mecanismos de aprendizagem, diz Ferreiro. Há, na sua concepção, um papel ativo do sujeito na interação com os objetos da realidade. Dessa forma, o que a criança aprende não corresponde ao que lhe é ensinado, pois existe um espaço aberto de elaboração do sujeito. O educador deve estar atento a esses processos para promover, adequadamente, a aprendizagem (BOCK et al, 2000).

Emília Ferreiro trouxe, assim, grande contribuição ao processo de alfabetização, indicando a necessidade de conhecer o processo de aprendizagem em todas as suas formas evolutivas. Para Bock et al (2000), ela despatologizou os erros comuns entre as crianças; valorizou a participação delas no processo de ensino-aprendizagem; apropriou-se das atividades infantis como formas de ensino; ou seja, revolucionou a forma de se conceber e trabalhar na alfabetização de crianças.

[...] Os neopiagetianos tomam aspectos da teoria de Piaget e misturam-nos para formar novas teorias de sua própria lavra. Como Piaget, a maioria desses teóricos concorda que: (a) as crianças constroem ativamente suas representações cognitivas, por intermédio de interações com seu ambiente, e (b) elas baseiam-se as habilidades sensório-motoras e em representações mentais concretas e relativamente simples, para construírem capacidades cognitivas de nível relativamente alto, abstratas e complexas. Por outro lado, os neopiagetianos vão mais longe do que Piaget ao reconheceram a importância de outros modos de pensar além do raciocínio lógico-matemático, das influências ambientais no desenvolvimento cognitivo, das inconstâncias entre tarefas e mesmo entre os domínios das tarefas, das distinções entre desempenho típico e da competência ótima dentro de um dado nível ou estágio de desenvolvimento e das diferenças individuais ao expressarem a realização dentro de um determinado estágio. A maioria daqueles que o seguem também usa novas metodologias para completar as tarefas, as observações e as interpretações de Piaget [...] (STERNBERG, 2000, p.384, grifo nosso).        

Piaget, segundo Bock et al (2001), buscou explicar o aparecimento de inovações, mudanças e transformações no percurso do desenvolvimento intelectual, e por tais atributos, sua teoria é classificada como construtivista. Para ele, o homem, dotado de estruturas biológicas, herda uma forma de funcionamento intelectual, ou seja, uma maneira de interagir com o ambiente que o leva à construção de um conjunto de significados.

Como já dito anteriormente, o desenvolvimento intelectual é o resultado da construção de um equilíbrio progressivo entre assimilação e acomodação, o que propicia o aparecimento de novas estruturas mentais.

Piaget procura esclarecer quais as relações entre a vida enquanto fenômeno biológico e o ato de conhecimento. É com base nesta relação que ele irá elaborar seu plano de trabalho que consistirá em mais de 80 livros e algumas centenas de artigos distribuídos em quase 8 décadas de trabalho. Piaget parte de uma formação marcada pela história natural, de um lado e pela filosofia imanentista de Bergson, de outro. Passa pela lógica e pela filosofia histórica de Brunschvicg para, então, encontrar-se na psicologia. Ali, através das instituições às quais pertenceu ou esteve à frente, foi construindo seu projeto de ciência: a epistemologia genética, a teoria epistemológica que, através da análise da gênese do conhecimento, mostra que este é o resultado da complexa interlocução entre o sujeito de conhecimento, com suas características e esquemas individuais e o meio. O conhecimento se dá na e pela interação entre os dois pólos (Silva, 2007, p. 60, grifo nosso).




[1] In Wallon, Henri, Psychologie et dialectique. Paris, Messidor/Ed. Sociales, 1990, p. 142-7 (Coletânea organizada por Émile Jalley e Liliane Maury). Traduzido por Maria Ermantina Galvão Gomes Pereira.

[2] In Wallon, Henri, Psychologie et dialectique. Paris, Messidor/Ed. Sociales, 1990, p. 142-7 (Coletânea organizada por Émile Jalley e Liliane Maury). Traduzido por Maria Ermantina Galvão Gomes Pereira.

[3] A Semiótica, literalmente "a ótica dos sinais", é a ciência geral dos signos e da semiose que estuda todos os fenômenos culturais como se fossem sistemas sígnicos, isto é, sistemas de significação.


[4] Estudo das origens e desenvolvimento de um organismo desde o embrião (ovo fertilizado), dos diferentes estágios até sua plena forma desenvolvida. A ontogenia é estudada em biologia do desenvolvimento. Em termos gerais, ontogenia é definida como a história das mudanças estruturais de uma determinada unidade, que pode ser uma célula, um organismo ou uma sociedade de organismos, sem que haja perda da organização que permite aquela unidade existir