sábado, 10 de agosto de 2013

EDUCAÇÃO: O INÍCIO DA ERA MODERNA E A EFERVECÊNCIA CIENTÍFICA




A
s bases da Modernidade foram montadas no século XVII e de grande importância para a ciência. Na Física, o método de observação experimental, em conjunto com o emprego da Matemática, regula as definições quantitativas.

 Em 1610, o italiano Galileu Galilei (1564-1642) estuda a queda dos corpos, realizando as primeiras experiências da Física moderna.

Por esta época, René Descartes (1596-1659)[1] postula a separação entre mente e corpo, afirmando que o homem possui uma substância material e uma substância pensante, e que o corpo, desprovido do espírito, é apenas uma máquina. Esse dualismo mente-corpo torna possível o estudo do corpo humano morto, o que era impensável nos séculos anteriores – o corpo era considerado sagrado pela Igreja, por ser a sede da alma -. E dessa forma possibilita o avanço da Anatomia e da Fisiologia, que iria contribuir em muito para o progresso da própria Psicologia (BOCK, 2001).

E mais, se Hegel (1770-1831),[2] em sua História da filosofia, escreveu que o autor do Discurso do Método (1637) foi o verdadeiro iniciador da filosofia moderna, é correto afirmar que o papel de Descartes não foi menos considerável nos outros domínios da vida cultural, e a psicologia, especialmente, recebeu do cartesianismo, embora muitas vezes por via da reação, extraordinário impulso (MUELLER, 1978).

O Racionalismo

No início da era moderna, ainda em função das disputas seculares entre realistas e nominalistas[3], os defensores do racionalismo e do empirismo mantiveram suas posições contrarias. Os racionalistas convencidos de que a verdadeira fonte do conhecimento é a ratio, ou seja, as idéias são inatas[4] é o ponto de partida para o processo de dedução. Já os empiristas defendem que a fonte do conhecimento são os sentidos que inscrevem os dados na tabula rasa da mente e que por isso recorrem ao método da indução e a coleta de dados, conforme foi recomendado por Francis Bacon (1561-1626).

Para Rosenfeld (1993, p.60-61), ambos os métodos, quando usados de modo unilateral, são defeituosos; os racionalistas deixam de testar as suas observações pela observação; os empiristas esquecem-se de que qualquer coleta de dados exige uma hipótese e categorias apriorísticas prévias, para selecionar e organizar os dados de experiência. As grandes conquistas da ciência, com efeito, resultaram de uma fusão de ambas as tendências, isto é, pela formulação de hipóteses tentativas, expressas de forma matemática, e pelo teste delas por meio da observação e variáveis das condições de observação.  

Há de importante a se destacar que o matemático alemão Johannes Kepler[5] (1571-1630) promoveu a fusão entre o Método Indutivo e o Método Matemático Dedutivo.

Um raciocínio dedutivo parte de um enunciado geral e tenta aplicá-lo a fatos particulares: do geral aos particulares, poder-se-ia escrever pluralizando o vocábulo particular. Assim, se os homens, em geral, são mortais, um homem particular e cada um dos outros particulares que com ele se parecem, enquanto homens são mortais. O raciocínio indutivo vai no sentido contrario: de particulares — ainda no plural — para o geral. Assim, se se observa que um homem particular e os demais homens particulares são mortais, pode-se inferir, ou seja, tirar uma conseqüência dos fatos, que os homens são mortais. O raciocínio dedutivo permite ampliar conhecimentos já disponíveis a outros fatos para verificar, especialmente, se estão de acordo. O indutivo permite antes construir novos conhecimentos, chegando, por dedução, a ampliação desses conhecimentos. Esses tipos de raciocínios encontram-se no centra de um procedimento metódico de construção do saber. (LAVILLE; DIONE 1999, p.22)

O Empirismo

Quando trata das Revoluções Científicas, ROBERTS (2001) registra que um dos mais importantes avanços da ciência medieval foi a invenção da investigação intelectual por meio do experimento sistemático. E um dos grandes defensores foi Lord Francis Bacon (1561-1626), a partir da obra Novum Organum Scientiarum, Ensaios.

Para Bacon, o domínio da natureza pelo homem se daria através do saber, juntando as tradições sábias com as populares. Essencialmente, sua obra filosófica está baseada, na substituição da lógica dedutiva medieval, por um novo método experimental e indutivo. O Novum Organum é o início de um ambicioso projeto de síntese total do conhecimento humano.

A percepção de que as experiências podiam produzir resultados mais frutíferos ficou mais forte à medida que melhores instrumentos se tornaram disponíveis. Telescópios, microscópios, marcadores de tempo mais precisos, tudo isto abriu novas áreas de investigação (ROBERTS, 2001).

Depois de alardear sobre os obstáculos que impedem o caminhar da verdadeira ciência, Bacon sistematiza as regras da indução, ignora a importância do método analítico e das matemáticas e mostra-se adversário do método criado por Galileu, vez que nele os fenômenos estão isolados do seu meio natural e apenas são estudados nos seus aspectos mensuráveis.
Para a constituição de axiomas deve-se cogitar de uma forma de indução diversa da usual até hoje [...] Com efeito, a indução que procede por simples enumeração é uma coisa pueril, leva a conclusões precárias, expõe-se ao perigo de uma instância que a contradiga. Em geral, conclui a partir de um número de fatos particulares muito menor que o necessário e que são também os de acesso mais fácil. Mas a indução que será útil para a descoberta e demonstração das ciências e das artes deve analisar a natureza, procedendo às devidas rejeições e exclusões, e depois, então, de posse dos casos negativos necessários, concluir a respeito dos casos positivos [...] Na constituição de axiomas por meio dessa indução, é necessário que se proceda a um exame ou prova: deve-se verificar se o axioma que se constitui é adequado e está na exata medida dos fatos particulares de que foi extraído, se não os excede em amplitude e latitude, se é confirmado com a designação de novos fatos particulares que, por seu turno, irão servir como uma espécie de garantia (BACON, 2003, p.56-57)

Mais adiante, o filósofo britânico John Locke (1632-1704), com seu método psicogenético[6], propõe a formação do conhecimento desde o início até o seu pleno desenvolvimento, através da elaboração do empirismo de forma sistemática, onde a mente é um papel branco e todas as idéias decorrem, sem exceção, da experiência. Em sua teoria, Locke atribui uma forma de experiência dupla: uma pelo sentido externo, através da sensação, e outra de sentido interno, pela autoconsciência ou reflexão.

Segundo Resenfeld (1993), Locke teorizou que a sensação como tal não passa ainda de mero processo físico. Já a percepção é um processo psíquico e como tal envolve desde o início certo grau de julgamento – senão a esfera seria vista como mero círculo – Assim, a percepção adulta já é uma atividade complexa, envolvendo juízos e colorindo a sensação com experiências anteriores e hábitos mentais. Todo aspecto da mente envolve a natureza total da mente; Locke tem uma idéia clara da unidade da mente e seu empirismo, longe de ser radical, representa um compromisso com teses fundamentais do racionalismo. Quanto à retenção e memória – que fixam de preferência as idéias originalmente acompanhadas de prazer ou dor – , tornam a mente capaz de comparar – formando idéias de relação – e abstrair – formando idéias abstratas – e combinar – formando idéias complexas. Assim, todas as idéias, por mais abstratas ou complexas que sejam, sempre têm origem nas idéias simples, na experiência sensorial ou interna. As nossas percepções não refletem fielmente os objetos que as causam. Na associação, Locke antecipa a lei da repetição, ao acentuar a importância do hábito no estabelecer conexões entre as idéias. A Associação não depende somente de relações espaciais e temporais: também a emoção entra em jogo e toda a composição dos nossos pensamentos pode ser afetada por aversões e simpatias.

No campo da educação, Locke compilou uma série de preceitos sobre aprendizado e desenvolvimento. Segundo ele, o aprendizado depende primordialmente das informações e vivências às quais a criança é submetida e que ela absorve de modo relativamente previsível e passivo. É, portanto, um aprendizado de fora para dentro, ao contrário do que defenderam alguns pensadores de linha idealista[7], como o suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), e a maioria dos teóricos da educação contemporâneos. Os dois fundamentos iniciais de sua obra mais importante, Ensaio sobre o Entendimento Humano, são a negação da existência de idéias inatas - o que contrariava o legado do filósofo mais influente da época, o francês René Descartes (1596-1650) - e o princípio de que todas as idéias nascem da experiência, refundando, na ciência moderna, o empirismo. Em suma, Locke acreditava que as crianças vêm ao mundo sem nenhum conhecimento, mas já trazendo inclinações e principalmente um temperamento. O educador deveria observar as características emocionais do aluno para submetê-lo a diferentes métodos de aprendizado (NOVA ESCOLA, 2010).

Outro empirista foi o suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Nome ligado à Revolução Francesa, seus pensamentos nem sempre harmonizavam com outros iluministas, tais como: Voltaire (1694-1778) e Denis Diderot (1713-1784). Enquanto estes exaltavam a razão, ele defendia a emoção. Rousseau via o jovem como um ser integral, e não uma pessoa incompleta, e intuiu na infância várias fases de desenvolvimento, sobretudo cognitivo. Foi, portanto, um precursor da pedagogia de Maria Montessori (1870-1952) e John Dewey (1859-1952). Ainda sistematizou toda uma nova concepção de educação, depois chamada de Escola Nova, e que reúne vários pedagogos dos séculos XIX e XX.

Para Mueller (1978, p.220):

Rousseau concebe a educação como a própria formação da vida espiritual, inseparável de uma liberdade que não poderia admitir nenhuma ingerência extrínseca. Esse modo de ver implica, como em Sócrates, a inerência dos valores no espírito humano, uma fé robusta em seu desenvolvimento espontâneo. Não é que se vá reencontrar, em Jean-Jacques, o inatismo platônico. Seguindo a escola de Locke, ele está convencido, ao contrário, de que tudo nos vem da experiência. Tudo, excetuada a natureza livre e perfectível do homem, constitutiva de sua essência autêntica e que o indivíduo está em condições de experimentar em si mesmo, uma vez colocado sob condições favoráveis a esse desabrochar. É assim que Rousseau distingue entre educação positiva e educação negativa.




[1] Por vezes chamado de "o fundador da filosofia moderna" e o "pai da matemática moderna", é considerado um dos pensadores mais importantes e influentes da História do Pensamento Ocidental. Inspirou contemporâneos e várias gerações de filósofos posteriores; boa parte da filosofia escrita a partir de então foi uma reação às suas obras ou a autores supostamente influenciados por ele. Muitos especialistas afirmam que a partir de Descartes inaugurou-se o racionalismo da Idade Moderna. Décadas mais tarde, surgiria nas Ilhas Britânicas um movimento filosófico que, de certa forma, seria o seu oposto - o empirismo, com John Locke e David Hume.
[2] Filósofo da totalidade, do saber absoluto, do fim da história, da dedução de toda a realidade a partir do conceito, da identidade que não concebe espaço para o contingente, para a diferença; filósofo do estado prussiano, que hipostasiou o Estado - todas essas são algumas das recepções da filosofia de Hegel na contemporaneidade. É difícil dizer até que ponto essas qualificações são justas para com a filosofia hegeliana.
[3] O nominalismo é a doutrina que não admite a existência do universal nem no mundo das coisa, nem no pensamento. Surgiu na sua forma mais radical no séculos XI por intermédio de Roscelino de Compiègne. Esse atribuía universalidade aos nomes, daí a origem do termo. Para o nominalismo o universal é um puro nome, um flatus vocis (pura emissão fonética). Para o realismo os universais existem objetivamente, seja na forma realidades em si, transcendentes em relação aos particulares (como em Platão, universais ante rem), ou como imanentes encontrados nas coisas individuais (como para Aristóteles, universidade in re). Para o conceitualismo, os universais são apenas conteúdos de nossa mente, intelegíveis ou conceitos, representações do intelecto que as deriva das coisas (universalia post rem) e dessas guarda alguma semelhança.
[4] Idéia com a qual a gente nasce, que não se aprende. A hipótese de ideias inatas foi mantida por Sócrates e Leibnitz e é sustentada por Chomsky, entre outros. Em Descartes, as ideias inatas são aquelas que se originam da própria mente, independentemente de qualquer experiência anterior, e incluindo as ideias de um Deus Perfeito, da substância pensante e da matéria extensa.
[5] Em 1596, Kepler publicou Mysterium Cosmographicum, onde expôs argumentos favoráveis às hipóteses heliocêntricas. Em 1609 publicou Astronomia Nova… De Motibus Stellae Martis, onde apresentou as três leis do movimento dos planetas, que hoje levam seu nome.
[6] “Psicogenético” é o termo empregado para descrever a pedagogia criada a partir das teorias e pesquisas piagetianas. Significa que o processo pedagógico modifica-se sucessivamente, de acordo com o estádio de desenvolvimento mental (psicogênese). O Nível mental da criança é que determina como o professor deve apresentar as situações didáticas, pois, em cada estádio do desenvolvimento a criança tem uma maneira diferente de aprender.
[7] O Idealismo é uma corrente filosófica que emergiu apenas com o advento da modernidade, uma vez que a posição central da subjetividade é fundamental. Seu oposto é o materialismo. Tendo suas origens a partir da revolução filosófica iniciada por Descartes e o seu cogito, é nos pensadores alemães que o Idealismo [1] está em geral associado, desde Kant até Hegel, que seria talvez o último grande idealista da modernidade. Muitos, ainda, acreditam que a teoria das idéias de Platão é historicamente o primeiro dos idealismos, em que a verdadeira realidade está no mundo das idéias, das formas inteligíveis, acessíveis apenas à razão.