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s teorias
desenvolvidas pelos primeiros filósofos registraram preocupação com problemas
que ainda são de interesse geral, e de forma distinta dos empregados pelos
atuais psicólogos. Entretanto, a ideia de que os métodos das ciências físicas e
biológicas poderiam ser aplicados ao estudo de fenômenos mentais foi herdada do
pensamento filosófico e das pesquisas fisiológicas dos séculos XVII
e XIX.
Para Schultz
(2001), se temos a intenção de compreender os complexos tópicos que definem e
circunscrevem a psicologia de hoje, o ponto de partida adequado à perspectiva
da história deste campo é o século XIX, o momento em que a psicologia se tornou
uma disciplina independente com métodos de pesquisa e raciocínios teóricos
característicos. Como já foi dito, somente há cerca de cem anos os psicólogos
definiram o objeto de estudo da psicologia e estabeleceram seus fundamentos,
confirmando assim sua independência em relação à filosofia.
Enquanto os
filósofos do século passado preparavam o caminho para a abordagem experimental
do funcionamento da mente, os fisiologistas atacavam independentemente os
mesmos problemas a partir de outra direção, e davam largos passos rumo à
compreensão dos mecanismos corporais
que estão na base dos processos mentais.
Seus métodos de estudo eram diferentes do procedimento filosófico, mas a
eventual união dessas disciplinas apartadas – a filosofia e a fisiologia – produziu um campo de estudo em que, ao
menos em seus anos de formação, se fez uma tentativa de preservar as tradições
e crenças conflitantes de cada uma delas (SCHULTZ, 2001).
As contribuições
neste século para a psicologia vieram de diversas origens. Advindas do idealismo alemão, destacam-se as de Johann
Friedrich Herbart (1776-1841), que se parece em muito em relação às de Hegel
(1770-1831), Schelling (1775-1854) e Fichte (1762-1814).
Para Rosenfeld (1993, p.85, grifo nosso),
“Herbart procurou aplicar à psicologia a tese de Kant: de que há tanta ciência em cada
ramo de saber quanta matemática nele houver. Daí a sua tentativa de
chegar a uma pesquisa psicológica comparável às ciências naturais.”
A estrutura teórica construída por ele baseou-se
numa filosofia do funcionamento da mente, o que a torna duplamente pioneira: não só por seu caráter científico, mas,
também, por adotar a psicologia aplicada como eixo central da educação.
Desde então, e até os dias de hoje, o pensamento pedagógico se vincula
fortemente às teorias de aprendizagem
e à psicologia do desenvolvimento.
Muitas das contribuições de
Herbart para a psicologia e a pedagogia continuam valiosas, mas seu pensamento
e a prática que dele se originou no século XIX se tornaram ultrapassados,
sobretudo com o aparecimento do movimento da Escola Ativa[1].
Seu principal representante, o norte-americano John Dewey (1859-1952), fez
duras críticas à doutrina herbartiana. A obra pedagógica de Herbart teve enorme
influência em todo o mundo ocidental, e também no Japão, na segunda metade do
século XIX. Por se basear no princípio de que a mente humana apenas apreende
novos conhecimentos e só participa do aprendizado passivamente, o
herbartianismo resultou num ensino que hoje qualificamos de tradicional (NOVA
ESCOLA, 2010)..
Não se
restringindo apenas ao campo da psicologia, Herbart, ao formular pela primeira
vez a pedagogia como ciência, legou uma enorme e importante contribuição.
A influência da Anatomia e da Fisiologia
Em 1795, o astrônomo real da
Inglaterra, Nevil Maskeline, percebeu que as observações feitas pelo seu
assistente do tempo que uma estrela levava para passar de um ponto a outro
sempre registravam um intervalo menor do que as suas, mesmo sendo chamado à
atenção, os erros nas observações do assistente não só persistiram, como as
diferenças se ampliaram, motivo pelo qual foi demitido.
O fato foi ignorado até que o
astrônomo alemão, Friedrich Wilhelm Bessel (1784-1846), interessado por erros de
medida, presumiu que as diferenças estavam ligadas a fatores pessoais, e que o
mesmo deveria ocorrer nas experiências de outros astrônomos. Após comprovar a
sua hipótese, Bessel concluiu que a
astronomia teria de levar em consideração a natureza do observador humano, vez
que suas características podiam influenciar nas observações relatadas, assim
como também por todas as ciências que se apoiassem na observação (SCHULTZ,
2001).
Esse evento obrigou a comunidade
científica a focalizar o papel do observador humano e a natureza da observação
para entender devidamente os resultados dos seus experimentos e as conclusões
que tiravam sobre a natureza do mundo físico, Os cientistas passaram a investigar os processos psicológicos da
sensação e da percepção estudando os órgãos dos sentidos e os mecanismos
fisiológicos mediante os quais recebemos informações acerca do mundo. Assim
que os primeiros fisiologistas começaram a estudar a sensação, a psicologia
estava a um passo curto e inevitável do seu surgimento (SCHULTZ, 2001, p.57,
grifo nosso).
O desenvolvimento da anatomia e
da fisiologia cresceu de tal forma no século XIX, que seu progresso acabou por
influenciar significativamente na psicologia. De maneira extraordinária, o
cérebro passou a ser estudado sob a ótica inerente às funções psíquicas,
galgando grandes progressos com o estudo da patologia mental, e graças ao uso
da eletricidade para estimular certas áreas corticais que, assim excitadas,
produziram ações específicas.
Segundo Rosenfeld (1993): em
essência, o cérebro, considerado estruturalmente em relação com o corpo, é uma união
complexa de nervos. A estrutura e as funções do cérebro podem por isso, somente
ser entendidas se relacionadas com os nervos. Foi Charles Bell[2] (1774-1842) que verificou,
em 1811, o caráter duplo do sistema nervoso, ou seja: sensorial e motor. Todavia, a verificação experimental coube a
Johannes Meuller (1801-1858), um dos maiores fisiologistas do século. Assim
como é famosa a sua teoria a respeito da percepção
do espaço e das energias específicas
dos nervos.
O estudo do sistema nervoso, graças à
histologia, o estudo experimental das funções sensoriais, em conexão com o
desenvolvimento da física, tomaram impulso enorme, acrescentando-se a isso os
progressos na patologia mental. É evidente que a psicologia não poderia
manter-se alheia a esses desenvolvimentos (ROSENFELD, 1993, p.92).
Herbart já havia tentado
aplicar as matemáticas ao estudo da vida psíquica. No entanto, foi a
psicofísica que cuidou de determinar a relação existente entre um fenômeno
físico, considerado como excitação causal, e a sensação como fenômeno psíquico.
Entretanto, coube a E.H. Weber (1795-1878), inicialmente fisiologista e
anatomista, conduzir a passagem das pesquisas em torno das sensações,
principalmente tácteis e visuais, da fisiologia para a psicologia, chegando à conclusão
de que: a quantidade de excitação
necessária para discernir uma primeira sensação de uma segunda está em relação,
constante e determinável, com a sensação inicial.
Mas, foi o filósofo Gustav
Fechner (1801-1887) que, matematicamente, chegou a uma lei mais precisa sobre a sensação como o logaritmo da excitação.
Tais investigações assinalaram a introdução da medida em psicologia e encontram-se na origem dos métodos que visam
determinar, num dado sujeito, o menor estímulo perceptível ou a menor diferença
perceptível entre dois estímulos (MUELLER, 1978).
Dito de outro modo, para a Lei
Fechner-Weber: a diferença que sentimos ao aumentarmos a intensidade de uma
lâmpada de 100 para 110 watts será a mesma sentida quando aumentamos a
intensidade de iluminação de 1000 para 1100 watts, isto é, a percepção aumenta
em progressão aritmética, enquanto o estimulo varia em progressão geométrica,
permitindo a possibilidade de medida do fenômeno psicológico, o que até então
era considerado impossível (BOCK. et al, 1993).
A importância da Biologia
Integrar a mente humana
inteiramente no mundo biológico, negando radicalmente o dualismo de Descartes
entre o corpo e alma, significou introduzir implicitamente o evolucionismo. O princípio da evolução
tornou-se, mesmo antes de Darwin (1809-1882), a ideia central de todo o
pensamento de Herbert Spencer (1820-1903).
O princípio evolucionista em si é
antigo. Spencer, porém, foi o primeiro a aplicá-lo sistematicamente na
totalidade da sua vasta síntese filosófica e a elaborar a concepção de que a
mente chegou à sua estrutura peculiar em virtude das peculiaridades ambientais
(ROSENFELD, 1993).
Ainda segundo Rosenfeld (1993),
Darwin, além de corroborar com as concepções de Spencer, influenciou imensamente
a psicologia. Depois dele, nenhum cientista poderia ignorar o fato de que cada
indivíduo deveria ser tomado em consideração tanto na gênese como na estrutura
estática. Só assim se explicava a existência de sistemas inferiores quando o
intelecto já passou a desempenhar o seu papel dominante.
Spencer buscou no
evolucionismo os mecanismos e objetivos da sociedade, e defendeu o ensino da
ciência para formar adultos competitivos, aplicou à sociologia ideias que
retirou das ciências naturais, criando um sistema de pensamento muito influente
ao seu tempo.
No campo
pedagógico, porém, Spencer fez campanha pelo ensino da ciência, combateu a
interferência do Estado na educação e afirmou que o principal objetivo da
escola era a construção do caráter.
De acordo com Spencer, o processo
de desenvolvimento segue a mesma lei em todos os campos, da formação do
universo à transformação das espécies. Seu entendimento inicial da evolução
biológica se baseava na concepção errônea de que as sucessivas gerações de uma
mesma espécie herdam das anteriores as características adquiridas do ambiente.
Essa era a teoria do naturalista francês Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829),
derrubada por Darwin. Que ao contrário, mostrou que o mecanismo da evolução é a
seleção natural, pela qual sobrevivem as variedades animais e vegetais mais
adaptáveis às condições ambientais. Tão logo conheceu as conclusões de Darwin,
Spencer reformulou sua teoria. Nos dias
de hoje, é difícil encontrar seguidores fiéis do evolucionismo de Herbert
Spencer, mas muito se fala de uma tendência de pensamento bem semelhante, que é
chamada, um pouco caricaturalmente, de darwinismo social. A educação voltada
sobretudo para formar jovens competitivos costuma estar relacionada a essa
concepção de mundo (NOVA ESCOLA, 2010).
Assim, e para se conhecer o
psiquismo humano, passa-se a ser necessário compreender os mecanismos e o
funcionamento do cérebro. Neste sentido a Psicologia começou a trilhar os
caminhos da Fisiologia, Neuroanatomia, Neurofisiologia e da Biologia, sendo
registrado no final deste século o surgimento da Psicologia Científica, mais precisamente
na Universidade de Leipzig na Alemanha. E são considerados seus fundadores:
Weber (1795-1878), Fechner (1801-1889) e Wilhelm Wundt (1832-1920)[3].
Wundt recebeu o
legado de Weber e Fechner, e fundou em 1879, em Leipzig, o primeiro Instituto
para Psicologia Experimental do
mundo. Com ele, a psicologia adquiriu plena maioridade, tornando-se, em
definitivo, uma ciência autônoma, empírica. (ROSENFELD, 1993). Para (SCHULTZ,
2001), Wundt ainda determinou o objeto do estudo, o método de pesquisa, os
objetivos da nova ciência, e os tópicos a serem estudados.
Por tudo, este século foi pródigo em
grandes acontecimentos, viu emergir o marxismo; a revolução industrial; a
teoria positivista de Comte; a ruptura da visão teocêntrica - há muito abalada
profundamente, desde o nominalismo de Ockham - pelo surgimento da renascença
humanista, dentre outros. No campo da Psicologia, Rosenfeld (1993) tirou as
seguintes conclusões:
O século XIX marca
a definitiva maioridade da psicologia como ciência autônoma. Contribuíram para
essa conquista a aplicação de métodos matemáticos, pela primeira vez propostos
por Herbart, e de métodos de experimentação elaborados por Weber e Fechner e
estabilizados, nas formas de laboratório, por Wundt. Se a anatomia e a
fisiologia concorreram particularmente para a enorme intensificação dos estudos
no campo dos processos menos desenvolvidos, quer de animais, quer de crianças.
A nova perspectiva contribuiu para superar o associacionismo, em parte por
acentuar outros aspectos da vida psíquica em oposição à análise unilateral dos
processos perceptivos, em parte por introduzir de novo o princípio do organismo
de Aristóteles como um todo integrado, funcionando com fito de adaptação ao
ambiente: concepção que se choca com a visão da causalidade mecânica dos
associacionistas. O irracionalismo de Schopenhauer e Nietzche (e logo de
Bergson e James) influi para dar destaque cada vez maior aos aspectos não
conscientes e instintivos, enquanto a concepção genética inspira ao mesmo tempo
o surto da psicologia diferencial.
[1] O Pragmatismo
constitui uma escola de filosofia estabelecida no
final do século XIX, com origens nos Estados Unidos da
América, caracterizada por apenas considerar uma ideia como útil e
necessária caso ela tenha efeitos práticos e valor funcional. Seus principais
representantes são Charles Peirce,
William James, serviu como base para o Instrumentalismo
de John Dewey e mais recentemente foi reformulado
por Richard Rorty. Nas palavras de William
James: “O método pragmatista é primariamente um método de terminar discussões
metafísicas que de outro modo seriam intermináveis.
[2] Charles Bell foi um prolífico autor e pesquisador.
Ele fez sua primeira publicação de estudos pormenorizados do sistema nervoso e do cérebro, em 1811, em seu livro Uma Ideia de
uma Nova Anatomia do Cérebro. Ele descreveu suas experiências com animais e
como ele era o primeiro a distinguir entre nervo
sensorial e nervo motor.
Este livro é considerado por muitos o fundador da neurologia clínica.
[3] Wilhelm
Maximilian Wundt foi um médico, filósofo e psicólogo alemão. É considerado um dos fundadores da
moderna psicologia experimental junto com Ernst Heinrich
Weber e Gustav
Theodor Fechner.